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segunda-feira, 27 de abril de 2020

O lado B dos testes rápidos - O Globo - 27 Abril de 2020 - A HORA DA CIÊNCIA - Natalia Pasternak


Microbiologista, presidente do Instituto Questão de Ciência, pesquisadora do ICB-USP e autora do livro "Ciência no Cotidiano"

O novo sonho de consumo dos brasileiros parece ser um teste IgG positivo para Covid-19. IgG é o anticorpo que os chamados “testes rápidos” identificam no sangue de pessoas que já tiveram o vírus. No entanto, esses testes — que deveriam ser chamados de “sorológicos” — não são recomendados pela Organização Mundial de Saúde, e seu uso indevido pode trazer graves consequências de saúde pública.

No Brasil, no entanto, vêm sendo usados, de modo impróprio, no diagnóstico da Covid-19. Aparecem à venda em farmácias e laboratórios, e até clubes de elite oferecemnos, por preços que vão até R$ 500. Em Brasília, mutirões destes testes foram organizados para diagnosticar e orientar pessoas. A iniciativa, ainda que louvável, é equivocada.

Há dois tipos de teste para Covid-19: o molecular e o sorológico. O molecular, conhecido como PCR em tempo real, verifica a presença do RNA do vírus. É bastante preciso, identifica o vírus mesmo em pacientes assintomáticos.

Com ele, Alemanha e Coreia do Sul conseguiram mapear a pandemia. É simples: sabendo quem está infectado, podemos isolar a pessoa, rastrear seus contatos e, assim, traçar um panorama da transmissão.

Mas para isso, é necessário testar muita gente. A amostra precisa ser colhida por um “swab” na garganta. O profissional de saúde deve ter equipamentos de segurança. O processamento pede laboratórios e profissionais especializados. Os insumos são importados.

Já os sorológicos só precisam de uma gota de sangue, e não requerem treinamento especial. São muito mais baratos e fáceis de fabricar. Tão fáceis, de fato, que já aparecem problemas de controle de qualidade.

Eles não servem para dizer se a pessoa está doente ou não. Anticorpos só dizem se já tivemos contato com o vírus, e se esse contato foi recente (se aparece o anticorpo IgM) ou se foi há mais tempo (anticorpo IgG).

Para piorar, esses testes têm até 80% de falsos negativos: ou seja, de cada cinco pessoas que têm anticorpos, só uma testará positivo.

Os mutirões em Brasília foram organizados assim: pessoas com sintomas de Covid-19 há mais do que uma semana fazem o teste sorológico. Se o resultado for positivo, a pessoa faz o teste molecular. Isso não tem lógica.

Um cenário: o paciente testa negativo para anticorpos. É liberado. Mas na verdade está com o vírus ativo. Só que ainda não tem anticorpos suficientes para o teste notar. Esse cidadão sente-se seguro ao “saber” que não tem Covid-19, para de usar máscara e vai visitar os pais idosos.

Outro cenário: a pessoa testa positivo no sorológico, e então faz o molecular, que dá negativo. Essa pessoa provavelmente já teve contato com o vírus, produziu anticorpos e se recuperou. Gastamos um teste molecular, caro e escasso, à toa.

Testes sorológicos rápidos só têm uma função: após o pico da pandemia, saber quem desenvolveu imunidade e, talvez (se tivermos motivo para acreditar que a imunidade se mantém a longo prazo), liberar essas pessoas da quarentena. No momento atual, não passam de distração e desperdício.

Eles não servem para dizer se a pessoa está doente ou não. Anticorpos só dizem se já tivemos contato com o vírus.



sexta-feira, 24 de abril de 2020

Doença afeta múltiplos órgãos - O Globo de 24 de Abril de 2020 - A HORA DA CIÊNCIA Patricia Rocco


Ter foco é ter objetivo, estabelecer um planejamento, ter persistência para atingir as metas e alcançar o que se pretende. Assim tem que ser o combate à Covid-19, doença que afeta não só o pulmão, mas também outros órgãos.
Será que estamos realmente focados em vencer essa guerra contra a Covid-19? Será que o médico não está focando somente na melhora dos sintomas respiratórios acarretados pelo Sars-CoV-2 (vírus responsável pela Covid-19), esquecendo que diversos outros órgãos podem estar acometidos e levar a óbito? O pulmão realmente é o órgão mais afetado pela Covid-19, e pacientes podem evoluir com insuficiência respiratória aguda, necessidade de intubação traqueal e ventilação mecânica.
Será que estabelecemos um planejamento correto? Vários ventiladores mecânicos foram comprados, consertados, e outros fabricados no Brasil. Entretanto, por que temos sempre a sensação de estar enxugando gelo? Pacientes continuam morrendo, já que a estrutura hospitalar não se baseia somente no ventilador mecânico, temos que ter o médico para “pilotá-los”. Quando se pensa em ventilação mecânica, não há um piloto automático, e o risco de ela acarretar lesão não só ao pulmão, como também a cérebro, coração e rim é muito grande.
Além do ventilador mecânico, o vírus, por si só, pode também lesar os sistemas nervoso central e periférico. Acredita-se que o vírus se espalha do epitélio olfatório para o cérebro causando a perda do olfato (anosmia) e paladar (ageusia). Recentes estudos também sugerem que a infecção viral pode levar a alterações de coagulação e induzir acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico ou hemorrágico, o que também contribui para o óbito.
O Sars-CoV-2 tem outro órgão alvo, o rim. Cerca de 20% dos pacientes internados nas Unidades de Terapia Intensiva evoluem com insuficiência renal aguda, sendo que 10% necessitam de diálise. O coração também pode ser afetado pelo Sars-CoV-2. O vírus pode infectar o músculo cardíaco na proporção de 1 a cada 5 pacientes, levando a insuficiência cardíaca e morte, mesmo naqueles sem sinais de insuficiência respiratória.
A forma como o médico olha seu paciente, principalmente na fase inicial da doença, talvez tenha que mudar. Voltando novamente para a importância do foco, todos os órgãos precisam ser examinados, e estratégias terapêuticas desenvolvidas, não somente para a melhora da lesão pulmonar, mas do cérebro, rim e coração. Em suma, temos que ter planejamento.
Não adianta possuirmos leitos, ventiladores e médicos, sem métodos dialíticos e terapias para eventos tromboembólicos. Além de tudo, há que ter persistência para atingir as metas e alcançar o que se pretende. Não é nada fácil estarmos nadando diariamente contra a maré, seja por problemas logísticos, financeiros e/ou estruturais hospitalares. Temos que alcançar o nosso objetivo: a cura da Covid-19.

A forma como o médico olha seu paciente, principalmente na fase inicial da doença, talvez tenha que mudar

quinta-feira, 23 de abril de 2020

Educação após a pandemia - O Globo 23 de Abril de 2020 - Roberto Lent Neurocientista, professor emérito da UFRJ e pesquisador do Instituto D’Or


A Covid-19 tem revelado pelo menos dois investimentos públicos de alta prioridade: a ciência e o SUS. Embora os hospitais privados estejam participando ativamente do esforço de controle da doença, é nos hospitais públicos que a coisa explode. Sua incapacidade de atender à demanda emergencial foi posta a nu e mostra a direção que o Brasil deve tomar após a pandemia: investir pesadamente para fortalecer o SUS.
Da mesma forma, o parque de ciência e tecnologia do país mostra nossa força e nossa fraqueza. Temos muito, mas ainda é pouco, e precisamos de mais. Mais ciência de qualidade em todas as universidades — públicas e privadas —e um complexo tecnológico-industrial independente. Ciência para saúde. A emergência global e a busca desesperada por terapias eficazes deixam à mostra a premência de termos uma ciência bem financiada e estruturada — da pesquisa básica ao desenvolvimento de tecnologias.
Mas há um terceiro componente que não podemos perder de vista, agora e após o fim da pandemia: a educação. Ela também é precária no Brasil, está sendo fortemente impactada pela crise e precisa muito da ciência. Ciência para educação. Que fazemos com as crianças, com as escolas fechadas? E o que faremos quando elas reabrirem? O ensino virtual é uma possibilidade, mas esbarra na desigualdade socioeconômica do país. Além disso, quem provou que é eficaz?
Um pequeno exemplo de trabalho recente é contundente no título: “A conectividade cerebral em crianças aumenta com o tempo de leitura de livros e decresce com a exposição a telas digitais”. Os autores recrutaram cerca de 20 crianças de 8 a 12 anos para um experimento em neurociência da leitura. Os pais responderam questionários para determinar os tempos de leitura de livros físicos e de exposição a mídias digitais de seus filhos.
E as crianças tiveram seus cérebros analisados por ressonância magnética funcional, para avaliar o grau de conectividade das áreas da leitura, tomando uma delas como “nó principal” das redes visuais, linguísticas e de controle executivo (como a atenção). Foi possível então avaliar se a conectividade dessas redes era maior ou menor nos dois grupos (leitores e “digitais”). Não deu outra: o tempo de leitura de livros correlacionava mais forte e positivamente do que o tempo de telinha com a conectividade dessas redes no hemisfério esquerdo do cérebro.
As implicações são óbvias: familiares e professores devem ler com as crianças, estimulá-las a folhear livros e limitar os tempos de tela em aplicativos não validados pela ciência, mesmo quando são ditos “educacionais”.
O mundo emergirá mudado ao fim da pandemia. Teremos mais relações à distância. Será o fim do abraço? Dos brasileiríssimos beijos no rosto? Será o fim do livro físico? Quais as implicações dessas possibilidades na conectividade cerebral da geração pós-pandemia, no seu desempenho educacional e sucesso escolar? A ciência para educação precisa ser um vetor de investimento para a emergência da crise, assim como está óbvio para a saúde.

Educação após a pandemia

Um componente que não podemos perder de vista, agora e após o fim da pandemia, é a educação. Ela também é precária no Brasil.

quarta-feira, 22 de abril de 2020

Uma pandemia de solidariedade - O Globo de 22 Abril de 2020 - A HORA DA CIÊNCIA - Amilcar Tanuri Virologista chefe do Laboratório de Virologia Molecular do Departamento de Genética da UFRJ


O que o mundo e o Brasil necessitam neste momento é uma pandemia de solidariedade. Na definição mais ampla do termo, é o compadecimento com as dificuldades ou os sofrimentos de outras pessoas em horas difíceis. É justamente disso que necessitamos nesta hora, principalmente no Brasil, onde temos milhões de nossos irmãos brasileiros em sérias dificuldades econômicas.
Não acho ética a discussão da escolha entre o relaxamento do isolamento social imediato para preservar a economia e a manutenção do isolamento para preservar nosso sistema de saúde e as vidas dos doentes que não vão ter acesso a um tratamento eficaz.
As autoridades federais, estaduais, municipais e toda a população devem achar condições para que a população continue no isolamento social por mais tempo. Já que conseguimos chegar até aqui com o isolamento, não custa muito mantê-lo por mais duas a três semanas, para acompanharmos a curva e gerarmos dados mais fidedignos de nossa epidemia nos grandes centros urbanos e, só depois, decidirmos com mais confiança os caminhos a seguir na abertura de nosso isolamento social.
Alguns dados gerados em diferentes partes do Brasil mostram que a transmissão do novo coronavírus está atingindo seu máximo! Assim, se liberarmos a população para regressar às suas atividades normais, haverá o recrudescimento da transmissão do vírus e, depois, do número de doentes.
O levantamento do isolamento tem que ser continuamente monitorado, e o parâmetro deve ser o número de novas infecções dividido pela população da cidade ou região. Se a taxa subir mais de certo nível em um mês, devemos apertar as medidas de isolamento de novo.
Essa taxa mensal deve ser compatível com a capacidade de atendimento, de bom nível, para os doentes naquela cidade ou região pelo sistema de saúde público e privado local.
Para isso, necessitamos testar mais, fazer estudos de prevalência de indivíduos convalescentes e imunes ao novo coronavírus para modular qual o tamanho da população suscetível. Tenho certeza de que passaremos por isso e de que a superação vai ser mais fácil com mais solidariedade e ciência.


Uma pandemia de solidariedade


Tenho certeza de que passaremos por isso, e a superação vai ser mais fácil com mais solidariedade e ciência

terça-feira, 21 de abril de 2020

O novo, sem profecia - O Globo 21 de Abril de 2020 - A HORA DA CIÊNCIA - Margareth Dalcolmo - Cientista e pneumologista da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz


No momento em que todos, cada um a seu modo e na exigência de seu intelecto, discutem o que seria a nova normalidade após a pandemia, nos sentimos assolados por esse desconhecido “novo”, pelo desafio ainda longe de solução, pelo excesso de informação, por vezes tóxico, e observamos as diferenças e inquietudes sobre o que e como será a vida, o cotidiano depois. Em meio a tantas incertezas, uma certeza: o homem, o planeta, sua competitividade, seus padrões de consumo e dogmas precisarão encontrar uma relação de outra qualidade.
Nunca, em tal exíguo tempo, todas as categorias profissionais, não apenas os cientistas, pesquisadores e médicos, tiveram tão pouco tempo para a perplexidade, e de pronto canalizaram seus melhores esforços, na busca incessante de respostas sobre a história natural, a biologia do vírus, a patogenia e possíveis tratamentos. Agências regulatórias e comitês de ética trabalham em regime de urgência todos os dias, inclusive no Brasil, com o cuidado de, diante da premência e do tamanho da tragédia, minimizar o improviso e as medidas sem a necessária sustentação científica para aplicação in anima nobili. Até o momento fica claro que obter uma vacina capaz de prover a imunidade de rebanho e prevenir o vírus e suas mutantes, que certamente ocorrerão, é o objetivo maior.
Há, entretanto, vidas a salvar agora, e tem sido exaustivamente alertado que a arma mais poderosa é o distanciamento social, ou o “fique em casa”, que já deveria ter sido incorporado ao saber popular. Sabe-se que a maior causa da morbidade em pessoas infectadas pelo SarsCoV-2, como na epidemia de Mers-Cov, há alguns anos, é a síndrome de liberação de citocinas, ou tempestade imunológica, resultando em falência respiratória e um cortejo de fenômenos, com desfechos clínicos graves, ou morte. Evitar que cheguem muitas pessoas a esse ponto, exaurindo a estrutura de saúde, é estratégico, especialmente neste momento da disseminação em que estamos. E fazer do grande número de curados uma permanente inspiração.
Meu amigo Régis Debray, em conversa recente, disse em sua agudeza que “as crises são impudicas, no que desnudam os reis e passam as sociedades num raio-X, lhes revelando o espírito”. É fato, e lembrávamos que um dos maiores legados da peste negra (1347) foi a destruição do frágil sistema médico, centrado nos conceitos de Hipócrates, Galeno e Avicena, porém rígido e hermético na prática. Médicos todos homens e muitos ligados ao clero. Naquele momento a resposta exigida das novas gerações resultou em mudanças que levaram à medicina clínica do século XVII em diante. Num divisor de águas histórico, levaram sobretudo ao Renascimento. O grande Petrarca, ao descrever a primeira peste, disse: “feliz a posteridade que não experimentou esse abismo e que olhará o nosso testemunho como se fosse uma fábula”.
Nesse panorama teórico e prático do nosso tempo, espécie de iluminismo do verdadeiro início do século XXI, sem profecias, acreditamos numa conjunção humanista de nova natureza e no conhecimento e sua disseminação capilar e mais democrática, mantendo a centralidade da pessoa como quem deverá comandar o porvir após a pandemia.
Em meio a tantas incertezas, uma certeza: o homem precisará encontrar uma relação de outra qualidade.

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Pesquisa sem rigor só confunde. O Globo20 abril 2020 - A HORA DA CIÊNCIA Natalia Pasternak Microbiologista, presidente do Instituto Questão de Ciência, pesquisadora do ICB-USP e autora do livro "Ciência no Cotidiano"


Como sabemos que medicamentos funcionam? Usamos testes clínicos. Mas o que são esses testes?
Em meados do século XVIII, um médico da Marinha britânica chamado James Lind conduziu o que pode ser considerado o primeiro deles.
Naquela época, o escorbuto  - que hoje sabemos ser causado por falta de vitamina C — matava mais marinheiros do que as batalhas navais.  Decidido a encontrar a cura, Lind pesquisou diários de bordo antigos e percebeu que navios que transportavam frutas cítricas tinham menos doentes.
Lind conduziu, então, um experimento com 12 marinheiros bem doentes. Eles foram divididos aleatoriamente (“randomizados”) em seis duplas, e cada par teve a mesma dieta, ficou alojado no mesmo local e recebeu os mesmos cuidados. A única diferença era o “remédio”diário: por exemplo, uma dupla recebeu um copo de cidra, outra frutas cítricas e assim por diante.
Em dois dias, os marinheiros que receberam frutas já estavam curados. O que Lind fez foi um esboço de teste clínico randomizado. É possível, na perspectiva atual, apontar várias falhas, incluindo o tamanho muito pequeno da amostra e a ausência de cegamento (tanto pacientes quanto médico sabiam o que cada um estava tomando). Mas o efeito — recuperação plena em dois dias —foi tão forte que ficou óbvio que os cítricos curavam escorbuto.
Voltando aos dias de hoje: em meio à emergência global, muitos perguntam se não podemos apressar as coisas. A questão é se vale a pena. Em ciência, fazer mal feito é trabalho em dobro —estudos ruins confundem, têm de ser detectados e corrigidos.
É fato que um efeito muito visível aparece mesmo em estudos imperfeitos, como o do escorbuto. Mas se o benefício for discreto, só vamos gerar confusão. Com trabalhos bem feitos e confiáveis em mãos, podemos aí julgar se esses efeitos pequenos são úteis. Para afirmar efeitos discretos, precisamos de mais rigor, não menos.
Estudos como o do grupo Prevent Senior, que saiu na imprensa na semana passada, é um em que a perda de rigor destrói a credibilidade do efeito. Há mais erros metodológicos ali do que no trabalho do século XVIII. Lind, ao menos, certificou-se de que todos os marinheiros estavam doentes. A Prevent Senior fez um estudo com pessoas que nem tinham sido testadas para Covid-19. Seria como se Lind tivesse incluído, na amostra, marinheiros apenas fatigados, sem verificar demais sintomas de escorbuto. Nesse caso, talvez a cidra tivesse ajudado mais.
Um importante periódico médico, o British Medical Journal, costuma publicar artigos satíricos no Natal. Em 2018, soltaram um “provando” que não faz diferença usar paraquedas ao pular de um avião. Numa comparação com quem saltou com mochilas vazias nas costas, o resultado foi 0% de ferimentos em ambos os grupos. A análise estatística foi impecável. O detalhe é que o avião estava parado no chão.
Então, antes de acreditar em estudos que provam que tem 0% de morte com o uso de um medicamento, vale conferir, no mínimo, se os pacientes estavam realmente doentes.

Em meio à emergência global, muitos perguntam se não podemos apressar as coisas. Em ciência, fazer mal feito é trabalho em dobro

sábado, 18 de abril de 2020

Em quem acreditar - O Globo - 17 DE ABRIL DE 2020 - A HORA DA CIÊNCIA Patricia Rocco Médica, professora titular e chefe do Laboratório de Investigação Pulmonar do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (UFRJ), membro da ANM e da ABC


A cada dia surge nova terapia para a Covid-19. Novos artigos são publicados, novas moléculas são descobertas, novos estudos clínicos vêm sendo realizados. Frente a um artigo, uma droga passa a ser eleita, frente a opiniões, sem nenhuma confirmação científica, associação de drogas passa a ser utilizada. Entretanto, como dizia Albert Einstein, por mais certos que estejamos acerca de alguma coisa, é nosso dever desconfiar, duvidar e procurar sempre novas maneiras de olhar para as certezas que temos.
A realidade é uma só: ninguém sabe o que é a Covid-19, doença que se apresenta de forma multifacetada. O tratamento deve se basear no bloqueio da replicação viral, na redução da inflamação pulmonar e/ou minimizar os distúrbios de coagulação? Os médicos estão tão desesperados, ao se defrontar com tantos óbitos, que utilizam um coquetel de medicamentos para atuar em todas as frentes, por vezes esquecendo que tais drogas também podem acarretar efeitos colaterais.
A angústia não é o sentimento somente do médico que está à beira do leito, mas também do cientista que trabalha intensamente na descoberta de novas terapias, que, até o momento, não foram capazes de modificar a evolução da doença. Não se entende o porquê de células infectadas com o Sars-CoV-2 (vírus responsável pela Covid-19) responderem tão bem às terapias antivirais e, quando administradas no paciente, seu efeito benéfico não ocorrer como se esperava. O Sars-CoV-2 difere do vírus da influenza, que responde bem ao uso precoce dos medicamentos antivirais. Logo, por que os medicamentos antivirais não melhoram a Covid-19? Será que a resposta do hospedeiro (o paciente), após o vírus infectar a célula, é tão rápida que não há tempo para bloquear essa resposta? Será que estamos olhando para o lado errado? Será que estamos vendo somente a ponta do iceberg, focando somente em um único mecanismo, e perdendo a noção do todo?
Temos que ter cautela com as chamadas “opiniões dos especialistas” ou estudos clínicos malfeitos que, por vezes, assustam a população. Há poucos meses, especialistas recomendaram suspensão imediata do uso de inibidores de enzima conversora da angiotensina ou dos receptores de angiotensina devido ao risco de agravamento da Covid-19. Diversos pacientes solicitaram imediata mudança da medicação, ou mesmo suspenderam de forma abrupta, o que agravou a hipertensão arterial sistêmica. Hoje sabemos que não há nenhuma evidência entre a associação dessa medicação e a piora do prognóstico do paciente com Covid-19.
Ante a tantos estudos, estamos ávidos por respostas que, no momento, se resumem a uma frase: “Não temos nenhuma droga comprovada capaz de modificar a evolução do paciente com Covid-19”. Entretanto, mais de 700 estudos clínicos vêm sendo realizados no Brasil e no mundo e, em breve, teremos uma resposta. Vários países já desenvolveram vacinas que vêm sendo testadas. Certamente, há luz no fim desse túnel. Não iremos desistir. Para mim, “vencer é nunca desistir”. A angústia não é somente do médico à beira do leito, mas do cientista que trabalha na descoberta de novas terapias.

quinta-feira, 16 de abril de 2020

DESAFIOS DA CIÊNCIA - Lutando contra o tempo para controlar a Covid-19 - Por Roberto Lent 16/04/2020 • 04:30


A urgência de encontrar soluções para controlar a Covid-19 tem revelado a importância da ciência. Nem sempre fica claro, porém, como funciona essa genial invenção humana. A pressão por resultados faz pensar que tudo é mágico: a ciência resolve em um clique. Vã ilusão. Não há que confiar em opiniões apressadas, mesmo que sejam de presidentes. A ciência se move por problemas. Talvez mais importante seja o problema do que a solução, porque ele abre caminhos que a solução encerra. Problemas podem ser “esotéricos” (como surgiram os vírus na natureza?) ou práticos (como curar as doenças virais?). Os esotéricos são abordados pela pesquisa básica, os práticos, pela pesquisa aplicada, ambas incluídas no parque científico dos países modernos.
Tudo muito bonito, dirá o cidadão. Mas a questão que interessa é a seguinte: como vamos curar a Covid-19? A urgência do problema nos leva a mobilizar os pesquisadores com expertise básica nas proteínas que jogam os vírus para dentro das células, por exemplo. Será que conseguiríamos desenvolver uma molécula que ocupasse esses ancoradouros, bloqueando a invasão viral? Se esse for um bom caminho, os experimentos ficam mais aplicados: a primeira etapa é a pesquisa pré-clínica, em que a substância com potencial terapêutico é estudada em células e animais no laboratório. Digamos que a nossa molécula funcione nesses primeiros experimentos. É preciso então percorrer um rigoroso protocolo de pesquisa clínica.Uma primeira fase experimental indaga se há efeitos colaterais indesejáveis, em um certo número de voluntários sadios. Se não há efeitos negativos, seguimos adiante. A segunda fase, agora com doentes e um grupo de controle (que recebe uma substância inócua), investiga se os efeitos positivos pretendidos de fato ocorrem. Sim? Então se passa à terceira fase, que avalia se é possível usar o novo medicamento em grande escala (milhares de pessoas). Só depois dessa comprovação é permitido colocá-lo nas farmácias e hospitais.Esse é um percurso de alto custo e longa duração. Por isso, nas emergências sanitárias como a Covid-19, é preciso buscar atalhos, sem abandonar o longo percurso para as emergências futuras. Atalhos: medicamentos em uso para outras doenças, que já tenham passado pelas primeiras fases de pesquisa. É esse o caminho que a OMS está tentando, no seu programa Solidarity, um esforço global de pesquisa em 90 países, que inclui os badalados antimaláricos cloroquina e hidroxicloroquina, bem como antivirais e substâncias produzidas pelo sistema imunitário das pessoas.Outro caminho é possível no desespero, mas eticamente questionável: infectar voluntários com o vírus e estudar neles o efeito do medicamento-candidato. Complicado, como se pode imaginar.Mas atenção. Tudo isso só é viável nos países que tenham construído uma ciência robusta, com vultosos e constantes investimentos. O Brasil começou esse processo há algumas décadas, mas patina atualmente com os cortes que levam as prioridades para outras direções.

quarta-feira, 15 de abril de 2020

No Jornal O Globo de hoje(15-04-2020), na seção, na hora da Ciência, Entendendo a nossa pandemia No Globo de hoje (15 Abril de 2020) - na seção, na hora da Ciência temos em Enendendo a Pandemia-Amilcar Tanuri Virologista chefe do Laboratório de Virologia Molecular do Departamento de Genética da UFRJ


O novo coronavírus, o Sars-CoV-2, dissemina-se no Brasil em velocidade impressionante. Nós, cientistas, estamos alarmados. Vemos medidas necessárias se enfraquecerem sem que a Covid-19 nem sequer tenha começado a nos afetar. Antes da chegada do novo coronavírus ao país, no fim de fevereiro, o governo federal já havia estabelecido as regras da quarentena na Lei 13.979/20, determinando o isolamento dos casos positivos da Covid-19 e seus contatos próximos.
Em março, os governos de Goiás, Rio de Janeiro, São Paulo, Distrito Federal e Santa Catarina implementaram quarentenas determinando o fechamento do comércio, exceto os serviços essenciais de alimentação, abastecimento, saúde, bancos, limpeza e segurança. Outros estados e prefeituras foram aderindo à estratégia de quarentenas ditas “horizontais”, que fecharam o comércio e impactaram na economia do país como um todo.
E agora estamos envoltos numa discussão acalorada se devemos relaxar a quarentena horizontal e substituí-la para uma dita vertical, na qual somente iremos isolar as pessoas pertencentes aos grupos de risco, isto é, idosos, portadores de diabetes e outras doenças crônicas que influenciem na imunidade dos indivíduos.
Defensores do relaxamento sugerem o uso indiscriminado da hidroxicloroquina para a prevenção e o tratamento de forma brandas da Covid-19, mesmo sem comprovação científica sólida. Já aqueles que apoiam a continuidade da quarentena horizontal trouxeram resultados de projeções matemáticas de número de mortes pela Covid-19 em 60 dias se levantássemos a quarentena.
Sou favorável à continuidade da quarentena horizontal. Porém, temos que obter dados precisos sobre a epidemia no país, uma vez que o nosso nível de testagem está muito baixo e isso não nos ajuda a fazer predições precisas.
Temos que urgentemente medir o pulso da epidemia no Brasil e descobrir há quanto tempo o Sars-CoV-2 está circulando em nossas principais capitais. Precisamos descobrir também qual o percentual de brasileiros infectados que já poderiam apresentar uma resposta imune através da produção de anticorpos.
Essas informações são chaves para decidirmos pela mudança da quarentena horizontal para a vertical ou até mesmo acabar com as quarentenas. Precisamos obter mais dados concretos sobre a pandemia de Covid-19 em nosso país e ter menos politização sobre o tema. Bora fazer ciência!

Precisamos obter mais dados concretos sobre a pandemia de Covid-19 em nosso país e ter menos politização sobre o tema

terça-feira, 14 de abril de 2020

No Jornal O Globo de hoje(14-04-2020), na seção, na hora da Ciência, Margareth Dalcolmo, Cientista e pneumologista da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz escreve:Apocalipse é esperança


São inéditos a velocidade de progressão da pandemia pela Covid-19 e o número de verdades e inverdades que surgem e desvaecem à luz das ainda escassas comprovações científicas, quer sobre os testes ditos padrão-ouro, fármacos que possam se mostrar verdadeiramente úteis em seu tratamento ou mesmo duração da imunidade conferida. Nesse cenário tão novo, consola o grande número de pessoas já curadas, porém esse equilíbrio instável entre epidemiologia e estrutura de serviços para responder bascula entre o tamanho do desafio e a coordenação da resposta. No Brasil, a operação dos hospitais de campanha, em construção em diversas cidades, se a eles forem assegurados recursos humanos qualificados e suficientes, poderá salvar vidas.
O grande pensador e poeta Paul Valéry nos alerta, premonitoriamente, no entre guerras: “Civilizações, não se esqueçam de que são mortais”. Esta pandemia, que seguramente não será a última, vem nos lembrar, peremptória, a nossa possibilidade de desaparecer como civilização, abrupta ou lentamente, seja pelo caos, por armas atômicas, pelos danos ao meio ambiente, pela falta d’água ou por epidemias.
Conhecendo a realidade de exclusão de nossas grandes cidades, essa doença vai desnudar, em carne viva como nunca antes, a exclusão social e a diferença de acesso aos serviços básicos, desde saneamento básico, água e moradia, até o ápice do sistema, que são as unidades de terapia intensiva. Não será apenas um jovem ianomâmi, em sua realidade longínqua, que morrerá atingido pela virose, sem a assistência adequada à sua cultura. Poderão ser nossos jovens, moradores de comunidades e suas famílias, em particular os mais velhos. Caberá, mais do que à rede suplementar de saúde, a esse sistema único, o SUS, castigado cronicamente pelo sub financiamento, através das medidas emergenciais orquestradas, dar a resposta, correndo contra o tempo da disseminação acelerada.
Na falta de testes em larga escala, urge epidemiológica dos casos de síndrome respiratória aguda grave e gripe, inclusive dos óbitos, gerando informação necessária sobre os vetores de expansão da doença e seus números. Dispensadas estão as metáforas quando o hiperrealismo grita, ululante como diria Nelson Rodrigues: Nova York, a cidade mais cosmopolita e rica do mundo, ultrapassa os 200 mil casos e enterra alguns milhares de seus cidadãos em cova rasa, se ajoelha diante da tragédia humana inaudita, a superar qualquer narrativa épica grega. Mas vai conseguir achatar a curva de transmissão do novo coronavírus com o isolamento social.
Nesta Páscoa tão insólita, contrita, mais que nunca carregada de seu sentido de travessia e libertação, nos vemos em meio à angústia, com mais perguntas do que respostas, e muitas dúvidas. É restauradora a visão de peixes e patos de volta aos canais de Veneza, bem como ouvir a homilia do Papa Francisco e Andrea Bocelli cantar “Amazing grace” numa catedral de Milão deserta. Retroalimenta-nos da velha e teimosa confiança de que podemos prosseguir, capazes de olhar o Apocalipse não como um livro de maldições, mas como ele é, uma leitura de revelação e esperança.

O grande pensador e poeta Paul Valéry nos alerta no entreguerras: “Civilizações, não se esqueçam de que são mortais”

segunda-feira, 13 de abril de 2020

No Jornal O Globo de hoje(13-04), O HORA DA CIÊNCIA está muito interessante, porque a microbiologista Natalia Pasternak, explica a diferença entre vírus e bactéria e de como tratar as bactérias é menos difícil do que os diversos tipos de vírus. Uma aula bacana.


Por que temos antibióticos eficientes para debelar infecções bacterianas, mas nenhum medicamento realmente bom para atacar vírus? Muita gente pode ter a impressão de que microrganismo é tudo a mesma coisa, mas a verdade, é que bactérias e vírus são muito diferentes.
Bactérias são seres vivos independentes, que se reproduzem por conta própria. Também têm estruturas internas que não diferem muito entre uma bactéria e outra —da mesma forma, digamos, que todos os mamíferos têm rins —o que permite que um mesmo remédio atinja um mesmo alvo e mate diferentes bactérias. Essas estruturas-alvo são exclusivas de bactéria. Isso quer dizer que os antibióticos apresentam toxicidade seletiva: não matam células humanas.
Vírus, por outro lado, são simples demais. Não passam de aglomerados de moléculas. Não conseguem se replicar sozinhos, dependem das estruturas e mecanismos das células hospedeiras para se reproduzir.
Isso nos deixa com poucos alvos para atacar vírus com medicação. Como eles basicamente sequestram o maquinário interno das células humanas, atacá-los quase sempre acaba envolvendo atacar estruturas da célula humana, o que pode fazer mal ao paciente. Vírus também são muito mais diferentes entre si do que bactérias. Os coronavírus, por exemplo, usam RNA como material genético. Outros usam DNA. Alguns se integram ao DNA da célula invadida, outros não, e assim por diante.
Geralmente, o que conseguimos são antivirais muito específicos para determinadas viroses. Isso não é muito atraente para a indústria, e complica a pesquisa.
E se resistência já é um problema para antibióticos, para vírus é pior ainda. A taxa de mutação destes organismos é alta, e não têm mecanismos de reparo de DNA — que nossas células usam para corrigir erros que poderiam dar origem a mutações. Assim, é comum encontrarmos vírus resistentes. Uma estratégia para isso é utilizar combinações de medicamentos, como é feito no coquetel anti-HIV.
Outro fator que dificulta a utilização de anti virais é a resposta imune do hospedeiro. Geralmente, quando o sistema imune mostra sinais de reação, a replicação do vírus já está bastante avançada. E a própria resposta imune pode causar uma inflamação difícil de reverter, que põe a vida do paciente em perigo. Isso acontece agora, com a Covid-19. Muitas vezes, neste ponto, a carga viral já está decaindo, e tomar um remédio que ataque o vírus já não ajuda. Um antiviral seria útil no início da infecção, mas como determinar o momento exato? Tratamentos antivirais precisam trazer um equilíbrio delicado entre  replicação do vírus, não intoxicar o paciente e modular a resposta imune.
Outro ponto. Como vírus só “vivem” quando infectam um hospedeiro, para estudá-los muitas vezes temos que desenvolver linhagens de células transgênicas suscetíveis, para cultivá-los em laboratório, ou animais geneticamente modificados.
Dadas todas essas dificuldades, o melhor que podemos fazer contra doenças virais é prevení-las —por meio de vacinas ou, quando não há vacina, por contenção do contágio via isolamento social.

Tratamentos precisam se equilibrar entre impedir a replicação do patógeno e não intoxicar o paciente

quinta-feira, 9 de abril de 2020

O Globo 09 de Abril de 2020 Na HORA DA CIÊNCIA Roberto Lent Neurocientista, professor emérito da UFRJ e pesquisador do Instituto D’Or, escreve As dores da Quarentena.



As dores da quarentena


Pandemias assolam a humanidade há séculos. Ficaram famosas a peste negra, no século XIV, e a gripe espanhola, no século XX. Milhões morreram, por falta de meios para frear essas catástrofes sanitárias. Hoje tudo mudou. A ciência se tornou um recurso essencial para a vida humana, e orienta as mais eficazes iniciativas de contenção e mitigação das epidemias. Ficou comprovado que um dos meios de reduzir a velocidade da transmissão de vírus letais como o coronavírus é o isolamento social. Mal menor, porque ele também traz problemas, principalmente sobre a saúde mental. É preciso estudar esse aspecto, para encontrar os meios de controlá-lo.

Várias experiências de isolamento humano têm sido estudadas: o inverno polar, por exemplo, pode atingir o equilíbrio emocional dos pesquisadores e militares residentes naquelas lonjuras congeladas. Outras situações extremas têm sido objeto de estudo por psicólogos e psiquiatras: estações espaciais, submarinos, prisões e até UTIs.

As epidemias virais, já incluindo a Covid-19, foram avaliadas nesse aspecto por recente trabalho de revisão bibliográfica publicado por um grupo de pesquisadores ingleses. Foram muitos os efeitos identificados: psicológicos (depressão, estresse, transtornos do sono), corporais (obesidade, dores, baixa imunidade) e sociais (assédio e violência), para citar apenas alguns.

O grupo identificou os principais agentes estressores: longa duração da quarentena, falta de informação, medo de infecção, tédio, perda de renda, fome e, não bastasse isso tudo, o temor de ter sido infectado. Alguns trabalhos analisados relataram sintomas persistentes que potencialmente evoluiriam para ansiedade, transtornos de estresse pós-traumático e pânico.

Um outro grupo de pesquisa, trabalhando na China nos últimos meses, inquiriu mais de 1.200 pessoas em quase 200 cidades, 85% das quais com 20-24 horas por dia em casa. E 75% relataram enorme medo de infectar seus familiares. Pouco mais da metade apresentou sintomas de impacto psicológico moderado a severo, quase 30% apresentaram ansiedade e cerca de 20%, depressão. Sintomas físicos também foram detectados: dores musculares, tonteira, dor de garganta.

As recomendações emanadas desses trabalhos foram simples e intuitivas. A primeira: aumentar a percepção individual de controle sobre o risco, por meio de frequente higiene das mãos, proteção da boca e do nariz com o braço ao espirrar ou tossir e uso de máscaras. A segunda: fortalecer o capital social da população isolada (confiança na sociedade), por meio do constante fluxo de informação sobre a pandemia, avaliação da eficácia real de terapias propostas e atualização sobre as rotas de transmissão do vírus.

O isolamento social é indispensável, mas não inócuo: tem um custo psicológico, além dos prejuízos sociais e econômicos. Não há outra saída para retardar e frear o avanço da doença, mas é preciso dosar bem a duração do isolamento para obter resultados sem prejuízos psicossociais graves. Esse é o desafio que temos pela frente.
O isolamento social é um mal menor, porque ele também traz problemas, principalmente sobre a saúde mental

quarta-feira, 8 de abril de 2020

No Jornal O Globo de hoje (08), na Seção Hora da Ciência o virologista Amilcar Tanuri, chefe do Laboratório de Virologia Molecular do Departamento de Genética da UFRJ, recomenda que todos devem usar máscara. Veja como ele defende sua posição


Neste tempo de pandemia, é muito importante discutir o uso das máscaras. Tudo em relação a virologia depende da quantidade de vírus presente na pessoa infectada. É a chamada carga viral. Para infectar o ser humano, precisamos de um número de partículas virais definida ou dose infectante. Por exemplo, se tratarmos um paciente com Aids e baixarmos sua carga viral no sangue, ele não é mais infeccioso. O mesmo quando utilizamos camisinha. Quando vamos para os vírus respiratórios, as coisas são semelhantes. Um paciente infectado por vírus respiratórios como o influenza ou o novo coronavírus libera milhões de partículas de vírus em suas gotículas exaladas por tosse ou espirros. Essas gotículas vão se depositar no rosto ou mãos de pessoas não infectadas e podem agora infectá-las diretamente.
Outra via de infecção se dá pela deposição das gotículas em superfícies como mesas, banheiros, barras de ônibus, corrimões, elevadores etc. Aí, contaminam as mãos das pessoas não infectadas que levam o vírus à boca ou aos olhos. O uso da máscara por uma pessoa infectada, seja sintomática ou assintomática, diminui a dispersão das gotículas e por consequência a carga de vírus ambiental. Temos as máscaras de materiais sintéticos ou papel tratados, que são utilizadas pelo pessoal de saúde e essenciais nesses tempos de coronavírus. Essas máscaras industriais tipo N95 e as PPF2/3 têm um alto poder de filtragem das tais gotículas suspensas, tanto para expelirmos quanto para inspirarmos os vírus. A população não deve utilizar essas máscaras para poupá-las para os médicos, enfermeiros e outros profissionais que estejam lidando diretamente com os pacientes internados com Covid-19. Porém, o resto da população deve se beneficiar também desse equipamento. Vamos utilizar as máscaras de pano comerciais ou caseiras o tempo todo porque, mesmo que uma máscara de pano, dobrado duas ou três vezes, não barre o vírus 100%, ela pode barrar entre 60% e 70%. Assim, a carga de vírus depositada em superfícies diminui e, consequentemente, a transmissão. Assim, o uso em larga escala da máscara reduziria drasticamente a carga de vírus circulante. Temos que lembrar que uma vacina muito eficaz imuniza 90% dos indivíduos e pode nos livrar de epidemias de sarampo, poliomielite etc. Em analogia, o uso em larga escala da máscara caseira, em casa ou na rua, seria como uma vacina contra o coronavírus. Mas é uma vacina que deve ser utilizada todos os dias. Mais importante: o uso da máscara de pano não pode substituir o isolamento social e a higienização das mãosE não levar as mãos ao rosto segue sendo uma recomendação fundamental. Precisamos parar de relacionar a máscara com a doença. A proteção dada por ela não é somente individual, mas comunitária.
Mantenham isolamento social e usem máscaras o tempo inteiro. Todos devem ter, no mínimo, duas: uma para usar e outra de reserva, limpa. Lave-as com água, sabão e água sanitária. E reforçando: a máscara não substitui o isolamento social.

O uso em larga escala da máscara caseira, em casa ou na rua, seria como uma vacina contra o coronavírus.