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domingo, 29 de dezembro de 2019

Segundo a CNTE Em 2020, o Piso Nacional do Magistério deverá ser R$ 2.886,15


Em 23.12.2019 foi publicada no Diário Oficial da União (Seção I), a Portaria Interministerial MEC/MF nº 3, de 13 de dezembro de 2019, a qual reajustou o valor mínimo de investimento por aluno do ensino fundamental urbano, em âmbito do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB, para o exercício de 2019. 

O referido ato normativo elevou a previsão de investimento mínimo per capita do FUNDEB de R$ 3.238,52, fixado inicialmente pela Portaria Interministerial MEC/MF nº 7, de 28.12.2018, para o atual valor de R$ 3.440,29. Lembrando que até abril de 2020, a União deverá publicar o valor consolidado do FUNDEB de 2019, a fim de realizar os últimos ajustes de repasses financeiros para estados e municípios. 

A atual elevação do valor mínimo do FUNDEB incide na atualização do piso nacional do magistério para 2020, à luz do que determina o art. 5º da Lei 11.738, in verbis: Art.  5º  O piso salarial profissional nacional do magistério público da educação básica será atualizado, anualmente, no mês de janeiro, a partir do ano de 2009. Parágrafo único. A atualização de que trata o caput deste artigo será calculada utilizando-se o mesmo percentual de crescimento do valor anual mínimo por aluno referente aos anos iniciais do ensino fundamental urbano, definido nacionalmente, nos termos da Lei no 11.494, de 20 de junho de 2007.

Para melhor elucidar o critério de aplicação do reajuste do piso do magistério, em 30.12.2009, a Advocacia-Geral da União emitiu a Nota nº 36/2009/CC/AGU/CGU, estipulando a utilização do percentual de crescimento do FUNDEB de dois anos anteriores. A consulta do então Ministro da Educação visou a responder uma reivindicação da CNTE, que entendia que o percentual de atualização do piso deveria ser o mesmo utilizado para o FUNDEB do ano subsequente, ou seja, de forma prospectiva. À luz dessas duas referências normativas, praticadas desde 2010, o reajuste do piso do magistério para 2020 baseia-se no crescimento dos valores estimados para o FUNDEB de 2018 e 2019, definidos pelas Portarias Interministeriais nº 6, de 26.12.2018 (R$ 3.048,73) e nº 3, de 13.12.2019 (R$ 3.440,29). De modo que a primeira previsão de reajuste, que comparava os valores estimados do FUNDEB de 2018 e 2019, respectivamente, R$ 3.048,73 e R$ 3.238,52 (6,22%), deve ser substituída em definitivo pela nova projeção, que leva em conta os per capitas R$ 3.048,73 (2018) e R$ 3.440,29 (2019), totalizando o percentual de 12,84%.

Portanto, ao piso de 2019 (R$ 2.557,74), que serve de referência para o início das carreiras de magistério na educação básica, destinado aos profissionais com formação de nível médio na modalidade Normal (art. 2º da Lei 11.738), aplica-se o percentual de 12,84%, elevando-se o mesmo, a partir de 1º de janeiro de 2020, para R$ 2.886,15. Por fim, a CNTE lembra que o reajuste do piso é autoaplicável, porém o MEC tem feito o anúncio oficial ano a ano como forma de orientar os entes estaduais e municipais. E a CNTE espera que o Ministério mantenha a postura de coordenação dessa importante política pública de valorização do magistério. Brasília, 27 de dezembro de 2019 Diretoria Executiva.
FONTE: CNTE

Três poemas de Ingeborg Bachmann

        lustração - Marcos Garuti


O tempo adiado 

Vêm aí dias piores.
O tempo adiado até nova ordem
surge no horizonte.
Em breve deves amarrar os sapatos
e espantar os cães para os charcos.
Pois as vísceras dos peixes
esfriaram no vento.
A luz da anileira arde pobremente.
Teu olhar pressente a penumbra:
o tempo adiado até nova ordem
desponta no horizonte.

Do outro lado afunda tua amada na areia,
ele sobe-lhe pelo cabelo esvoaçante,
ele corta-lhe a palavra,
ele ordena-lhe silêncio,
ele encontra-a mortal
e pronta para a despedida
depois de cada abraço.

Não olha para trás.
Amarra teus sapatos.
Espanta os cães.
Joga os peixes ao mar.
Anula a anileira!

Vêm aí dias piores.

Todos os dias

A guerra não é mais declarada,
mas mantida. O inaudito
tornou-se ordinário. O herói
fica longe das lutas. O fraco
é deslocado para as zonas de combate.
O uniforme do dia é a paciência,
a condecoração, a pobre estrela
da esperança sobre o coração.

Ela é entregue,
quando nada mais acontece,
quando o fogo cerrado emudece,
quando o inimigo se tornou invisível
e a sombra do eterno armamento
cobre o céu.

Ela é entregue
pela fuga diante das bandeiras
pela valentia diante do amigo,
pela traição de segredos indignos
e a não obediência
de toda ordem.

Enigma

Para Hans Werner Henze
da época dos Ariosi

Nada mais vai chegar.

A primavera não virá mais.
Assim nos antecipam calendários milenares.

Mas também o verão —e tudo o que tem nomes tão bons
quanto “veraneio”—
nada mais vai chegar.

E não hás de chorar por isso,
diz a música.

Nada
mais
foi

dito.

Fonte: Ilustríssima - Folha de São Paulo 29-12-2019

Ingeborg Bachmann, escritora austríaca (1926-73), alcançou fama como poeta já na estreia, com "Die Gestundete Zeit" ("O Tempo Adiado"), de 1953; foi também prosadora, dramaturga e roteirista.
Tradução de Claudia Cavalcanti, germanista formada em Leipzig, editora e tradutora, organizou e traduziu edições de poemas de Georg Trakl e Paul Celan (ambos pela Iluminuras).  
Ilustração de Marcos Garuti, artista visual e ilustrador.

Os filhos do mundo - Martha Medeiros


Foi aparecer Greta Thunberg, e achei que mataríamos saudade do consenso-lembra consenso? Difícil imaginar divergências a respeito de uma adolescente que um dia saiu de casa com um cartaz nas mãos e se plantou na frente do parlamento sueco para protestar contra o pouco caso com o meio ambiente. Ela poderia estar num shopping consumindo hambúrgueres e sapatos, poderia estar grudada num smartphone baixando aplicativos bobinhos, poderia estar acampando na frente de um estádio para assistir a algum ídolo teen, e nunca teríamos ouvido falar dela, assim como o mundo nunca ouviu falar de nossos filhos. Mas fez barulho e foi eleita a personalidade do ano. Não é bacana?

Defender o meio ambiente não é uma atitude de esquerda ou de direita. Envolve todos os seres humanos, incluindo os tios fascistas, as primas comunistas, os bichos, as plantas — o planeta inteiro se beneficiaria caso os grandes líderes mundiais parassem de pensar só em lucro e tomassem medidas preventivas para deter o aquecimento global e suas consequências. Separar o lixo seco do lixo orgânico é importante, mas não basta. Deixar o carro na garagem e caminhar cinco quarteirões? Ajuda, mas o que ajuda mesmo é não pegar no pé de quem está fazendo muito mais do que nós.

Dizem que Greta é chata. Não sei, nunca escutei a menina por mais de um minuto, quem assistiu a seus discursos completos é que pode dizer. Mas, ainda assim, creio que chato é ficar ilhado sobre um bloco de gelo derretendo, ursos polares que o digam. Ou ter a casa invadida por enchentes. Ou ter que sair à rua usando uma máscara tapando nariz e boca. Devo estar sendo chata também, desculpe aí.

Enfim, não entendo a razão de Greta ser tão ofendida. Que ela incomode alguns industriais e políticos, é compreensível, já que reivindica medidas que envolvem dinheiro e poder, mas por que haveríamos de ficar contra ela, se ela age por nós? Não age? Tem “alguém” por trás? O Soros, o Papa, o Lula, a Damares, o pessoal do Porta dos Fundos? E daí? A causa é boa. E mesmo que não se acredite em aquecimento global, mesmo que se pense que é paranoia e que o mundo está em perfeitas condições de uso, mal não faz uma garota gastar seu tempo e sua juventude em algo que acredita. Não foi a primeira nem será a última a se sobressair clamando por conscientização — se ela está certa ou errada, o tempo dirá. Esse mesmo tempo que nos levará à extinção em breve, mas que poderia ser mais seguro para nossos descendentes, pelos quais somos responsáveis. Portanto, se não existe mais consenso sobre nada, que ao menos escolhamos melhor nossos inimigos em 2020. Greta, obrigada.

O PLANETA INTEIRO SE BENEFICIARIA CASO OS GRANDES LÍDERES MUNDIAIS PARASSEM DE PENSAR SÓ EM LUCRO E TOMASSEM MEDIDAS PREVENTIVAS PARA DETER O AQUECIMENTO GLOBAL

MARTHA MEDEIROS
O Globo 29 de dezembro de  2019
marthamedeiros@terra.com.br

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS HOJE TEM MENOR INVESTIMENTOS DA DÉCADA - Jornal Globo de 29-12-2019


O MEC gastou R$ 16,6 milhões no programa da Educação de Jovens e Adultos (EJA), valor que corresponde a 22% do previsto para o ano, numa queda contínua que começou após 2012, quando o montante foi 115 vezes maior do que o atual. O ministério alega que parte dos recursos da EJA será investida na reforma de escolas.



O Ministério da Educação (MEC) fez, em 2019, o menor gasto da década com a educação de jovens e adultos, principal estratégia para aumentar a escolarização da população que abandonou os estudos na idade escolar. Os dados são do Sistema Integrado de Operações (Siop).

A pasta só gastou R$ 16,6 milhões na área neste ano, o que corresponde a 22% do previsto (R$ 74 milhões). Para se ter uma ideia, em 2012 o montante chegou a R$ 1,6 bilhão (em valores corrigidos) —115 vezes maior do que neste ano.
Para 2020, a previsão que consta no Projeto de Lei do Orçamento Anual do governo federal é de R$ 25 milhões. O Brasil tem, segundo o IBGE, 11,3 milhões de pessoas analfabetas com mais de 15 anos, em 2018. Isso corresponde a 6,8% da população. Além disso, mais da metade (52,6%) da população com mais de 25 anos não tem ensino médio completo — este é exatamente o público da Educação de Jovens e Adultos (EJA). São70 milhões de brasileiros. Desses, a maior parte (44 milhões) não tem nem o fundamental, 33% da população com mais de 25 anos. — Os alunos da EJA são os primeiros a serem excluídos do mercado de trabalho. Ou seja, o governo não está investindo na população mais precária do país - diz Rita de Cassia Pacheco, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e especialista em EJA.

O MEC afirmou que quer usar parte dos recursos destinados para a EJA na reforma de escolas da educação básica. Disse ainda que executou o orçamento em transferências para institutos federais de educação.

Ainda segundo a pasta, há um núcleo na Secretaria de Educação Básica “preparando um programa dedicado a fortalecer o fomento da EJA Integrada, com diretrizes como mobilização e busca ativa (desenvolvimento de estratégias para matricular o estudante na escola); e oferta de EJA integrada (cursos que atendam às necessidades do público e do mercado de trabalho).”

EVASÃO

Enquanto isso, Mara Patrícia Vianna, de 34 anos, vai parar de estudar pela terceira vez sem completar o ensino fundamental. A primeira foi aos 12 anos, para cuidar dos irmãos mais novos. No começo de 2019, decidiu voltar a tentar. Em 2020, faria o 8º e o 9º ano, mas a escola municipal Américo dos Santos, em Queimados (RJ), onde estuda, vai fechar as portas. A mais próxima fica a 4km.

“Não há, no Brasil, uma cultura da educação na fase adulta. A mãe vai no MP brigar pela vaga da filha na creche, mas não briga _ pela dela” Maria Clara Di Pierro, professora da USP

Longe para quem tem que deixar o filho mais velho, de 14 anos, tomando conta dos outros três menores. - Hoje, eu estudo a duas quadras da minha casa. Se acontecer alguma coisa com eles, alguém corre aqui e me chama. Mas como faço numa escola distante? —explica. A subsecretária-executiva de Educação de Queimados, Monique Lima, afirmou que o fechamento do turno noturno da escola é uma reformulação da rede, e que os alunos vão para vagas ociosas em outras unidades.

— Se houvesse um programa federal, como o Projovem ou o Brasil Alfabetizado, eu conseguiria manter aquela escola aberta —diz. 

Segundo Maria Clara Di Pierro, professora da Faculdade de Educação da USP e especialista em EJA, a desaceleração do investimento na modalidade começou em 2017, no governo de Michel Temer (MDB), quando os dois programas citados pela subsecretária de Queimados, ambos criados no governo Lula (PT), pararam de receber verba. — Eles não foram oficialmente extintos, mas os estados e municípios pararam de receber novos recursos. O Projovem pagava uma bolsa para estudantes da EJA e também criava condições especiais nas escolas, como espaços destinados aos filhos dos alunos. Já o Brasil Alfabetizado destinava verba para que voluntários, que não precisavam ser professores, abrissem turmas de alfabetização sob a supervisão das secretarias municipais.
- Esses programas foram importantes, mas tinham problemas. Não era o caso de extingui-los, e sim de reformulá-los — diz Di Pierro. — A Comissão Nacional de Educação de Adultos tinha sugerido mudanças, mas foi extinta pelo governo Bolsonaro.

MODALIDADE EM CRISE

A crise da EJA chegou este ano ao seu ponto mais crítico. Além da queda acentuada de orçamento, o MEC desarticulou as políticas da modalidade, encerrando a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), responsável por fomentar políticas para o setor em estados e municípios. A EJA acabou dividida em três secretarias diferentes. Presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e secretário estadual de Pernambuco, Fred Amâncio aponta que, quando a verba federal diminui, a conta aumenta para estados e municípios. —Com isso, pode acontecer que se tenha dificuldade de manter todas as turmas abertas —afirma. Segundo Di Pierro, a diminuição da participação da União no fomento de oferta de vagas contribui para a queda de 16% dos alunos em seis anos. Ela defende reformular a metodologia aplicada na EJA: — Há um divórcio entre as necessidades e condições de aprendizagens e o modelo ofertado. As aulas ainda são muito baseadas na educação oferecida às crianças. Soma-se isso a professores mal formados, e a equação não fecha. Reformular isso é um papel da União, estados e municípios, mas depende de uma situação política e institucional mais favorável e de investimento— diz a professora da USP.

“Com a pressão por mais vagas em creche e pré-escolas, além do teto de gastos, a EJA vai perdendo recursos ao longo dos anos” Rita Pacheco, professora especialista em EJA da UFSC

sábado, 28 de dezembro de 2019

Uma das obras mais debatidas em 2019, mais de 100 anos após Duchamp expor um mictório: uma banana presa à parede de uma galeria que foi vendida por US$ 120 mil e em seguida comida. A pergunta que a professora Edina fez na disciplina de arte, para nós no mestrado, continua viva: “mas isso é arte?”. Ou ainda: “se eu fizer igual, também sou artista?”. Esta pergunta não cala desde Duchamp.

Respondam a esta pergunta: É arte? A obra “Comediante”, do italiano Maurizio Cattelan, exposta na Art Basel Miami, antes de ser devorada pelo artista David Datuna

Teve Tarsila no Masp e DaVinci no Louvre. No dinâmico e imprevisível mundo das artes, porém, outro assunto deu o que falar este ano: uma banana presa à uma parede com fita adesiva. Intitulada “Comediante”, a obra do italiano Maurizio Cattelan causou furor na maior feira de arte das Américas, a Art Basel Miami, onde foi vendida por US$ 120 mil e, em 7 de dezembro, devorada. O “lanche” foi uma performance de David Datuna, que a chamou de “Hungry artist” (“Artista faminto”). A banana artística (que vinha com certificado de autenticidade e instruções para trocar a fruta a cada dez dias) viralizou. 
No dia 11, em Miami, zeladores com bananas presas ao peito protestaram contra seus baixos salários. “O que precisamos fazer, colar bananas no corpo?”, dizia um dos cartazes. No Twitter, a Nokia postou a foto de um celular amarelo preso à parede com fita prateada e provocou: “Bananas são deliciosas, mas podem fazer ligações? Isso sim é uma obra de arte!” Será? 
Desde que Marcel Duchamp tentou expor um urinol (“A fonte”) num museu em 1917, a mesma pergunta ressurge periodicamente: “mas isso é arte?”. Ou ainda: “se eu fizer igual, também sou artista?”. — Provavelmente, não — responde Daniel Rangel, crítico de arte e curador de exposições. — A banana de Cattelan parece brincadeira, mas é uma provocação séria. É arte porque esse gesto duchampiano ocorreu dentro de um contexto, uma feira do setor, e questionou o próprio “sistema da arte”. “Sistema da arte” é um conceito do filósofo americano Arthur Dando.
Em 1964, quando Andy Warhol pôs numa galeria réplicas em madeira de caixas de um produto de limpeza, Danto decretou “o fim da arte”. Detalhe: ele não disse que as caixas não eram arte. Seu ponto era que não havia mais critérios estéticos para determinar o que era. Warhol sacou isso antes de muitos —aliás, pôs uma banana na icônica capa do disco “Velvet Underground & Nico”. A legitimação, argumentou Danto, passou a depender do tal “sistema da arte”, no qual críticos, galeristas e colecionadores definem o valor, inclusive monetário, de uma obra.

Os visitantes do museu Solomon R. Guggenheim, em Nova York, podem usar uma privada feita com ouro de 18 quilates instalada em um dos banheiros do local. A peça foi batizada de “América” e é de autoria do artista italiano Maurizio Cattelan, descrito, no site do museu, como “um dos maiores provocadores do mundo das artes.


É por isso que “Comediante” e obras como “Bandeira branca”, de Nuno Ramos, que expôs urubus vivos na Bienal de São Paulo em 2010, são arte. 
Urubus confinados na instalação 'Bandeira branca', de Nuno Ramos, montanda no prédio da Bienal deSão Paulo em 2010 (Foto: Daigo Oliva/G1)

Diferentemente do celular citado no início do texto, são trabalhos de nomes legitimados pelo “sistema da arte”. O sistema, claro, vive sendo questionado pelos próprios artistas. Antes de dar uma banana para a Art Basel, Cattelan já era um notório provocador. Em 2016, expôs uma privada de ouro maciço no banheiro do Guggenheim, em Nova York, para ser usada pelos visitantes. Diz o museu que 100 mil pessoas “interagiram” com a obra, chamada “América”. Estimada em US$ 6 milhões, ela foi roubada do Palácio Blenheim, na Inglaterra, onde estava temporariamente exposta, em setembro deste ano.

O vaso sanitário "America" feito em ouro 18 quilates e obra do artista Maurizio Cattelan, foi exposto no museu Guggenheim, em Nova York. Foto: William Edwards/AFP.

Se o mictório de Duchamp questionava o que era arte, a privada de Cattelan pergunta o que é ser artista. Até onde vai a necessidade de manter boas relações com galeristas, a imprensa, o “sistema da arte”? Aliás, quais os critérios desse sistema? Fernanda Feitosa, criadora da feira SP-Arte, a maior da América Latina, diz que essas indagações têm mais peso quando feitas em um evento onde obras são negociadas. E não estranha que, mais de um século após “A fonte”, a pergunta “o que é arte?” ainda renda debates: — Essa discussão sempre será atual. O que não era arte no passado pode ser hoje. Os valores da sociedade mudam constantemente.

Marcel Duchamp expôs um mictório (“A fonte”) num museu em 1917, a mesma pergunta ressurge periodicamente: “mas isso é arte?”. Ou ainda: “se eu fizer igual, também sou artista?”.

FONTE: O Globo de 28-12-2019

quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Manipulação em vídeo é novo desafio eleitoral



Redes tentam reagir a conteúdo falso. Deepfake é novo desafio eleitoral

Gigantes da tecnologia como Google e Facebook se preparam para as eleições de 2020 no Brasil. Um dos principais desafios será conter o uso de vídeos fraudados (deepfake) que simulam declarações de políticos. Robôs serão usados para identificar notícias falsas.

No embate contra disseminação de notícias falsas e robôs na internet nas eleições municipais do ano que vem, as principais redes e plataformas de internet — Facebook, Google, Twitter, WhatsApp e YouTube — investem em mecanismos de checagem de informações, em cartilha e educação para usuários e, recentemente, fecharam acordos e treinamentos com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A Justiça Eleitoral aprovou, na semana passada, punição a partidos ou candidatos que disseminarem conteúdo falso.

Manipulações de vídeos, quando o rosto de um candidato aparece falando algo que não disse, os deepfakes, são o novo alvo de preocupação. Tanto empresas quanto especialistas reconhecem, porém, que o cenário eleitoral pode trazer desafios ainda não previstos, uma aposta também compartilhada por especialistas.

A tecnologia usada nos deepfakes ainda é um entrave. Várias plataformas lançaram desafios públicos para treinar seus sistemas a identificar imagens falsas. Para isso, precisam construir uma base de dados de deepfakes, que ainda não é ampla o suficiente no país para “ensinar” máquinas a reconhecê-los. Quando a máquina identifica uma imagem, cria uma espécie de DNA dela. Toda vez que alguém tenta subir essa imagem, ela é removida.

“Estamos comprometidos em desenvolver as melhores práticas de inteligência artificial para reduzir o potencial de danos e abusos”, diz o YouTube em relação aos vídeos falsos. A plataforma apresentou recentemente dois recursos para evitar a desinformação: avisos que mostram se conteúdos exibidos como resultados de algumas pesquisas são verdadeiros, falsos ou parcialmente verdadeiros, e informações sobre a origem do financiamento de canais. As checagens no YouTube são fornecidas por agências aprovadas pela plataforma.

— Não é simples prever o que se destacará. De 2017 para 2018, todo mundo estava preocupado com o Facebook, que foi a grande questão nas eleições de Donald Trump nos Estados Unidos. Mas, nas eleições do ano passado no Brasil, o grande tema acabou sendo o WhatsApp - lembra Francisco Brito Cruz, diretor do centro de pesquisa em direito e tecnologia InternetLab.

RUMORES VIRAIS

Para ele, 2020 terá uma eleição bem diferente da de 2018, com demandas variadas:

— O número de candidatos está na casa de centenas de milhares. Cidades pequenas, grandes, do Norte, do Sul, terão questões muito distintas. E não há mão de obra para acompanhar de perto 5,5 mil disputas.

As plataformas afirmam que vão aumentar os investimentos em iniciativas como checagem de fatos, treinamentos e cursos de educação digital.

Em outubro, Google, Facebook, WhatsApp e Twitter aderiram ao Programa de Enfrentamento à Desinformação do TSE. Na prática, as plataformas se comprometeram a desenvolver mais ações que combatam a proliferação de informações falsas e a aprimorar as ferramentas de verificação de desinformação para 2020.

Conteúdos que podem enganar eleitores, além de perfis impostores que incentivam determinada posição política, também deram trabalho ao Facebook ano passado e continuam como desafio para 2020. A plataforma não tem política específica para notícias falsas: recebe ordens judiciais para remover conteúdos específicos e as cumpre. Muitas vezes, também, quem compartilha esse tipo de conteúdo viola outras políticas da plataforma, como contas falsas e discursos de ódio, e o conteúdo é removido. O Facebook deve lançar uma função em que posts considerados falsos pela parceria com agências de checagem fiquem com a imagem embaçada.

— Temos feito investimentos para identificar melhor novas ameaças e vulnerabilidades, removendo contas falsas e conteúdos que violam nossas políticas — diz um porta-voz do Facebook. — Temos trabalhado para priorizar o jornalismo profissional na plataforma e para dar mais contexto às pessoas sobre os conteúdos.

Já o WhatsApp afirma que o foco é reduzir os rumores virais, limitando o encaminhamento de mensagens. A plataforma mudou configurações de privacidade para grupos e adicionou um ícone de seta dupla para identificar mensagens encaminhadas frequentemente, como uma corrente de mensagens.

“No mês passado, enviamos ao TSE uma proposta que inclui a proibição expressa de mensagens em massa e outras práticas proibidas pelo WhatsApp e outras empresas de tecnologia em seus termos de serviço”, afirmou a companhia, em nota. Em 2018, 400 mil contas foram banidas no combate à desinformação.

Em 2018, no Twitter, contas automatizadas, os robôs, foram apontadas como propagadoras de notícias falsas. A plataforma diz que vai reforçar o trabalho de verificação de contas. E destacou, para 2020, o apoio ao trabalho do TSE e dos TREs, com treinamentos para juízes e assessores de comunicação, além de um e-mail específico de contato coma Justiça Eleitoral.

A verificação também ganhou espaço no Instagram. Segundo o aplicativo, os usuários receberão um aviso de que determinada publicação é falsa. As postagens terão distribuição limitada, não aparecerão na busca ou pesquisa por hashtag. No lugar, a plataforma vai oferecer links de artigos que desmentem o conteúdo.

O Google afirmou que pretende aprimorar os algoritmos para privilegiar conteúdos de fontes confiáveis e de qualidade na busca e no YouTube. A plataforma fez parcerias para combater notícias enganosas e investe em programas de educação midiática. “Criadores de desinformação nunca param de tentar encontrar novas maneiras de enganar os usuários”, diz o Google, em nota. “Nosso objetivo é formar parcerias e tomar ações que possibilitem lidar com a desinformação de maneira responsiva e adequada”, acrescenta o texto.

“O número de candidatos está na casa de centenas de milhares. E não há mão de obra para acompanhar de perto 5,5 mil disputas” Francisco Brito Cruz, diretor do InternetLab “Enviamos ao TSE uma proposta que inclui a proibição expressa de mensagens em massa” WhatsApp, em nota oficial.

O Globo 25 Dezembro 2019 ELISA MARTINS elisa.martins@oglobo.com.br SÃO PAULO PRESIDENTE DO TRE-RJ BUSCA PLANOS CONTRA FAKE NEWS, NA PÁGINA 6

TSE dará direito de resposta a candidato alvo de fake news - Tribunal também fará campanhas de informação e parcerias com empresas.

Criticado por não conseguir impedir a propagação de fake news em 2018, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vem adotando medidas como uma resolução que garante direito de resposta contra candidatos e partidos que espalham notícias falsas produzidas por outras pessoas; campanhas de conscientização; e parcerias com empresas de tecnologia.

O trabalho, desta vez, estará mais concentrado nos juízes eleitorais de primeira instância que atuam nos municípios e nos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs).

A resolução aprovada pelo TSE em 18 de dezembro, no entanto, tem alcance limitado. O texto prevê que, caso seja verificada a divulgação de informações falsas, o candidato ofendido poderá ter direito de resposta. Segundo o texto, é obrigação dos candidatos, partidos e coligações checarem a veracidade de quaisquer informações veiculadas em suas campanhas, mesmo aquelas produzidas por terceiros. Normalmente, partidos e coligações se defendem afirmando que não foram responsáveis pela produção da informação inverídica.

O ministro Luís Roberto Barroso, que integra o TSE e o Supremo Tribunal Federal (STF), foi o relator da resolução. Na sessão, ele disse que a norma é a “contribuição possível” da Corte.

— Se alguém achar que fake news vai ser enfrentada com decisões dos tribunais, não é assim que vai funcionar. Precisamos da consciência das pessoas e das plataformas —disse.

O ministro Luis Felipe Salomão, que integra o TSE e o Superior Tribunal de Justiça (STJ), afirmou esperar uma “linha mais colaborativa” das empresas em 2020. Mas chamou atenção para o desafio de não ferir a liberdade de expressão.

—Nossa grande preocupação é não impedir o debate, porque qualquer medida a mais pode implicar cerceamento de liberdade de expressão —disse Salomão.

O ministro Og Fernandes, que também integra o TSE e o STJ, diz estar otimista. Para ele, a Justiça Eleitoral está mais preparada em 2020 do que em 2018 para enfrentar a desinformação, e estará mais ainda em 2022:

— Eu vejo que elas (as empresas) podem não censurar, mas atuar assertivamente no sentido de perceber onde há o abuso. Aliás, isso já aconteceu.

Além das fake news, a Justiça Eleitoral poderá ter outras preocupações na eleição, como as candidaturas laranjas, em especial de mulheres.

— A prestação de contas é sempre um problema, a questão de tentar evitar as candidaturas laranjas. Acho que esses são alguns dos temas relevantes —avaliou Salomão.

terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Homilia do Papa Francisco na Noite de Natal-2019 - Beleza extraordinária!



"Querido irmão, querida irmã, se as tuas mãos te parecem vazias, se vês o teu coração pobre de amor, esta é a tua noite. Manifestou-se a graça de Deus, para resplandecer na tua vida. Acolhe-a e brilhará em ti a luz do Natal."

HOMILIA DO SANTO PADRE DA NOITE DE NATAL(Basílica de São Pedro, 24 de dezembro de 2019)



«Habitavam numa terra de sombras, mas uma luz brilhou sobre eles» (Is 9, 1). Esta profecia da Primeira Leitura realizou-se no Evangelho: de facto, enquanto os pastores velavam de noite nas suas terras, «a glória do Senhor refulgiu em volta deles» (Lc 2, 9). Na noite da terra, apareceu uma luz vinda do Céu. Que significa esta luz que se manifestou na escuridão? No-lo sugere o apóstolo Paulo quando diz: «Manifestou-se a graça de Deus». Nesta noite, a graça de Deus, «portadora de salvação para todos os homens» (Tt 2, 11), envolveu o mundo.

Mas, que é esta graça? É o amor divino, o amor que transforma a vida, renova a história, liberta do mal, infunde paz e alegria. Nesta noite, foi-nos mostrado o amor de Deus: é Jesus. Em Jesus, o Altíssimo fez-Se pequenino, para ser amado por nós. Em Jesus, Deus fez-Se Menino, para Se deixar abraçar por nós. Mas podemos ainda perguntar-nos: Porque é que São Paulo chama «graça» à vinda de Deus ao mundo? Para nos dizer que é completamente gratuita. Enquanto aqui, na terra, tudo parece seguir a lógica do dar para receber, Deus chega de graça. O seu amor ultrapassa qualquer possibilidade de negócio: nada fizemos para o merecer, e nunca poderemos retribuí-lo.

Manifestou-se a graça de Deus. Nesta noite, damo-nos conta de que, não sendo nós capazes da altura d’Ele, por amor nosso desceu à nossa pequenez; vivendo preocupados apenas com os nossos interesses, veio Ele habitar entre nós. O Natal lembra-nos que Deus continua a amar todo o homem, mesmo o pior. Hoje diz a mim, a ti, a cada um de nós: «Amo-te e sempre te amarei; és precioso aos meus olhos». Deus não te ama, porque pensas certo e te comportas bem; ama-te… e basta! O seu amor é incondicional, não depende de ti. Podes ter ideias erradas, podes tê-las combinado de todas as cores, mas o Senhor não desiste de te querer bem. Quantas vezes pensamos que Deus é bom, se formos bons; e castiga-nos, se formos maus; mas não é assim! Nos nossos pecados, continua a amar-nos. O seu amor não muda, não é melindroso; é fiel, é paciente. Eis o dom que encontramos no Natal: com maravilha, descobrimos que no Senhor está toda a gratuidade possível, toda a ternura possível. A sua glória não nos encandeia, nem a sua presença nos assusta. Nasce pobre de tudo, para nos conquistar com a riqueza do seu amor.

Manifestou-se a graça de Deus. Graça é sinónimo de beleza. Nesta noite, na beleza do amor de Deus redescobrimos também a nossa beleza, porque somos os amados de Deus. No bem e no mal, na saúde e na doença, felizes ou tristes, sempre aparecemos lindos a seus olhos: não pelo que fazemos, mas pelo que somos. Em nós, há uma beleza indelével, intangível; uma beleza incancelável, que é o núcleo do nosso ser. Deus no-lo recorda hoje, tomando amorosamente a nossa humanidade e assumindo-a, «desposando-a» para sempre.

A «grande alegria», anunciada aos pastores nesta noite, é verdadeiramente «para todo o povo». Naqueles pastores, que santos não eram certamente, estamos também nós, com as nossas fragilidades e fraquezas. Deus, tal como chamou a eles, chama a nós também, porque nos ama. E, nas noites da vida, diz-nos como a eles: «Não temais» (Lc 2, 10). Coragem, não percais a confiança nem a esperança; não penseis que amar seja tempo perdido! Nesta noite, o amor venceu o medo, manifestou-se uma nova esperança; a luz gentil de Deus venceu as trevas da arrogância humana. Humanidade, Deus ama-te e, por ti, fez-Se homem; já não estás sozinha.

Amados irmãos e irmãs, que fazer perante esta graça? Uma coisa só: acolher o dom. Antes que ir à procura de Deus, deixemo-nos procurar por Ele. Não partamos das nossas capacidades, mas da sua graça, porque é Ele, Jesus, o Salvador. Fixemos o olhar no Menino e deixemo-nos envolver pela sua ternura. As desculpas para não nos deixarmos amar por Ele, desapareceram: aquilo que está torto na vida, aquilo que não funciona na Igreja, aquilo que corre mal no mundo não poderá mais servir-nos de justificação. Passou a segundo plano, pois frente ao amor louco de Jesus, a um amor todo ele mansidão e proximidade, não há desculpas. E, assim, a questão no Natal é esta: «Deixo-me amar por Deus? Abandono-me ao seu amor que vem salvar-me?»

Um dom tão grande merece tanta gratidão! Acolher a graça é saber agradecer. Frequentemente, porém, as nossas vidas transcorrem alheias à gratidão. Hoje é o dia justo para nos aproximarmos do sacrário, do presépio, da manjedoura, e dizermos obrigado. Acolhamos o dom que é Jesus, para depois nos tornarmos dom como Jesus. Tornar-se dom é dar sentido à vida, sendo este o melhor modo para mudar o mundo: nós mudamos, a Igreja muda, a história muda, quando começamos a querer mudar, não os outros, mas a nós mesmos, fazendo da nossa vida um dom.

Assim no-lo mostra Jesus nesta noite: não mudou a História forçando alguém ou à força de palavras, mas com o dom da sua vida. Não esperou que nos tornássemos bons para nos amar, mas deu-Se gratuitamente a nós. Por nossa vez, não esperemos que o próximo se torne bom para lhe fazermos bem, que a Igreja seja perfeita para a amarmos, que os outros tenham consideração por nós para os servirmos. Comecemos nós. Isto é acolher o dom da graça. E a santidade consiste precisamente em preservar esta gratuidade.

Conta uma graciosa história que, no nascimento de Jesus, os pastores acorriam à gruta com vários dons. Cada um levava o que tinha, ora os frutos do seu trabalho, ora algo precioso. Mas, enquanto todos se prodigalizavam com generosidade, havia um pastor que não tinha nada. Era muito pobre, não tinha nada para oferecer. E enquanto todos se emulavam na apresentação dos seus dons, ele mantinha-se aparte, com vergonha. A dada altura, São José e Nossa Senhora sentiram dificuldade para receber todos os dons, especialmente Maria que devia segurar nos braços o Menino. Então, vendo com as mãos vazias aquele pastor, pediu-lhe que se aproximasse e colocou-lhe Jesus nas mãos. Ao acolhê-Lo, aquele pastor deu-se conta de ter recebido aquilo que não merecia: ter nas mãos o maior dom da História. Olhou para as suas mãos, aquelas mãos que lhe pareciam sempre vazias: tornaram-se o berço de Deus. Sentiu-se amado e, superando a vergonha, começou a mostrar aos outros Jesus, porque não podia guardar para si o dom dos dons.

Querido irmão, querida irmã, se as tuas mãos te parecem vazias, se vês o teu coração pobre de amor, esta é a tua noite. Manifestou-se a graça de Deus, para resplandecer na tua vida. Acolhe-a e brilhará em ti a luz do Natal.

Atenção integral à educação


Um marco fundamental da adoção da Convenção sobre os Direitos da Criança pelas Nações Unidas, em 1989, foi que deixamos de olhar a criança como “propriedade” dos pais ou de instituições de caridade, para vê-la como um “ser de direito”. Esse marco nos remete ao título do relatório do Unicef para celebrar a data: “Para cada criança, todo direito”.

De maneira geral, a situação das crianças melhorou no mundo nos últimos 30 anos, como o acesso ao ensino primário, ainda não universalizado em países como o Paquistão, o Afeganistão ou a Nigéria, mas, mesmo nessas partes do mundo, com grande aumento de meninas na escola.

No Brasil, a matrícula e a frequência escolar apresentaram melhoras importantes, em especial no ensino fundamental já universalizado e na pré-escola, com mais de 92% das crianças frequentando a educação infantil. A taxa de mortalidade infantil também caiu bastante, fruto de avanços na saúde pública, na atenção à gestante e na educação das mães.

A importância do cuidado com a primeira infância entrou de vez na agenda pública, inicialmente a partir de uma luta por acesso a creches, que depois passaram a ser vistas como unidades escolares. O Brasil começou a entender que investir na primeira infância é preventivo e vantajoso. Segundo o Nobel de Economia James Heckman, a cada dólar investido entre os 0 e 6 anos de vida, o retorno é de 14 centavos de dólar para cada ano de vida daquela criança. Isso significa mais aprendizado, menos violência e menos vulnerabilidade.

No Brasil, além de iniciativas estaduais, como o Programa São Paulo Pela Primeiríssima Infância, o governo federal instituiu o Programa Criança Feliz, que surge como uma ferramenta para que famílias com crianças na primeira infância possam promover seu desenvolvimento integral de acordo com o Marco Legal da Primeira Infância aprovado em 2016. Hoje, o Criança Feliz é considerado o maior programa de atenção integral para primeira infância do mundo, pelo WISE Awards.

Mas nem tudo são boas notícias. Na educação ainda temos grande defasagem idade/ano e mais de 1,2 milhões de jovens de 15 a 17 anos fora da escola. Além disso, apesar de 91,5% dos jovens dessa faixa estarem na escola, só 68,7% estão no ensino médio  - etapa correta para a idade.

E parte desse mau resultado pode ser explicado pela falta de integração das políticas públicas, em especial, entre a educação e a assistência social. Além disso, educação e saúde nem sempre conversam. Cada criança é vista como se outra fosse, pelas diferentes políticas públicas envolvidas, o que impossibilita uma ação estratégica de garantia de direitos.

Daí a importância de uma lei recém-aprovada que estabelece que as redes escolares contem com uma equipe interdisciplinar de suporte com psicólogos e assistentes sociais, derrubando um veto presidencial.

Além disso, uma política de segurança ineficaz, focada em ações cinematográficas, tem levado à morte desnecessária tanto de policiais como de várias crianças. Até quando vamos chorar nossas Ágathas ou admitir que quem teve a infelicidade de nascer em áreas conflagradas não tem direito à proteção que deveria ser assegurada à infância?

Se tivéssemos sido exemplares na tarefa de educar nossas crianças, talvez nossa única preocupação seria agora a de prepará-las para um mundo em que os avanços da Inteligência Artificial vão delas demandar competências de nível mais sofisticado do que hoje temos condições de lhes oferecer. Contudo, ainda nos depararmos, nas escolas, com altos índices de reprovação, evasão escolar e com baixa aprendizagem. É preciso entender que a atenção à criança envolve tanto a garantia de uma infância saudável no presente quanto a preparação oportuna para um futuro que lhe permita a possibilidade de realizar seus sonhos.

Parte do mau resultado pode ser explicado pela falta de integração entre o ensino e a assistência social.

O Globo - 24 Dezembro de  2019 - FLORIANO PESARO E CLAUDIA COSTIN
  • Floriano Pesaro é sociólogo e foi deputado federal (PSDB-SP),
  •  Claudia Costin é diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV e foi ministra da Administração e Reforma do Estado

Olha que reflexão super atual que a Cecília Meireles faz no seu texto Compras de Natal.



A cidade deseja ser diferente, escapar às suas fatalidades. Enche-se de brilhos e cores; sinos que não tocam, balões que não sobem, anjos e santos que não se movem, estrelas que jamais estiveram no céu.
As lojas querem ser diferentes, fugir à realidade do ano inteiro: enfeitam-se com fitas e flores, neve de algodão de vidro, fios de ouro e prata, cetins, luzes, todas as coisas que possam representar beleza e excelência.
Tudo isso para celebrar um Meninozinho envolto em pobres panos, deitado numas palhas, há cerca de dois mil anos, num abrigo de animais, em Belém.
Todos vamos comprar presentes para os amigos e parentes, grandes e pequenos, e gastaremos, nessa dedicação sublime, até o último centavo, o que hoje em dia quer dizer a última nota de cem cruzeiros, pois, na loucura do regozijo unânime, nem um prendedor de roupa na corda pode custar menos do que isso.
Grandes e pequenos, parentes e amigos são todos de gosto bizarro e extremamente suscetíveis. Também eles conhecem todas as lojas e seus preços — e, nestes dias, a arte de comprar se reveste de exigências particularmente difíceis. Não poderemos adquirir a primeira coisa que se ofereça à nossa vista: seria uma vulgaridade. Teremos de descobrir o imprevisto, o incognoscível, o transcendente. Não devemos também oferecer nada de essencialmente necessário ou útil, pois a graça destes presentes parece consistir na sua desnecessidade e inutilidade. Ninguém oferecerá, por exemplo, um quilo (ou mesmo um saco) de arroz ou feijão para a insidiosa fome que se alastra por estes nossos campos de batalha; ninguém ousará comprar uma boa caixa de sabonetes desodorantes para o suor da testa com que — especialmente neste verão — teremos de conquistar o pão de cada dia. Não: presente é presente, isto é, um objeto extremamente raro e caro, que não sirva a bem dizer para coisa alguma.
Por isso é que os lojistas, num louvável esforço de imaginação, organizam suas sugestões para os compradores, valendo-se de recursos que são a própria imagem da ilusão. Numa grande caixa de plástico transparente (que não serve para nada), repleta de fitas de papel celofane (que para nada servem), coloca-se um sabonete em forma de flor (que nem se possa guardar como flor nem usar como sabonete), e cobra-se pelo adorável conjunto o preço de uma cesta de rosas. Todos ficamos extremamente felizes!
São as cestinhas forradas de seda, as caixas transparentes os estojos, os papéis de embrulho com desenhos inesperados, os barbantes, atilhos, fitas, o que na verdade oferecemos aos parentes e amigos. Pagamos por essa graça delicada da ilusão. E logo tudo se esvai, por entre sorrisos e alegrias. Durável — apenas o Meninozinho nas suas palhas, a olhar para este mundo.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Inscrições para o Prouni começam dia 28 de janeiro


As inscrições para o Programa Universidade para Todos (Prouni) no primeiro semestre de 2020 já têm data marcada. Estudantes de todo o país poderão começar a se inscrever no dia 28 de janeiro. O prazo vai até as 23h59 de 31 de janeiro.

As informações sobre o calendário do programa foram publicadas no Diário Oficial da União desta segunda-feira (23), em edital do Mistério da Educação. Os interessados podem se inscrever no portal do Prouni.

O ProUni oferta bolsas de estudo integrais (100%) ou de 50% a estudantes de cursos de graduação e de cursos sequenciais de formação específica, em instituições privadas de educação superior. O programa tem dois critérios de avaliação: desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e renda.

Direcionado aos estudantes egressos do ensino médio da rede pública ou da rede particular na condição de bolsistas integrais, a iniciativa tem sistema informatizado e impessoal para garantir transparência e segurança no processo.

Confira o cronograma:

- 28 de janeiro a 31 de janeiro – inscrições
- 4 de fevereiro - divulgação de resultados da primeira chamada
- 4 a 11 de fevereiro – comprovação das informações e eventual processo seletivo próprio das instituições (primeira chamada)
- 4 a 14 de fevereiro – registro no SISPROUNI e emissão dos termos pelas instituições (primeira chamada)
- 18 de fevereiro – divulgação dos resultados da segunda chamada

- 18 a 28 de fevereiro - comprovação das informações e eventual processo seletivo próprio das instituições (segunda chamada)

- 18 de fevereiro a 3 de março - registro no SISPROUNI e emissão dos termos pelas instituições (segunda chamada)

* Com informações do Ministério da Educação

A INCANSÁVEL GUERREIRA CONTRA AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS.


No dia 23 de setembro, Greta Thunberg encerrava seu discurso de não mais de 500 palavras diante do plenário das Nações Unidas. Nas arquibancadas, líderes mundiais observavam a menina de apenas 16 anos que se tornou o maior ícone da luta contra as mudanças climáticas. —"Eles estão fracassando conosco. Mas os jovens estão começando a entender sua traição. Os olhos de todas as gerações futuras estão sobre vocês. Não vamos deixá-los continuar com isso. Bem aqui, agora, é onde traçamos a linha. O mundo está acordando. E a mudança está chegando, gostem ou não" — afirmou Greta. 
Sua determinação chamou a atenção para as mudanças climáticas, uma conquista de dimensões planetárias que fez com que Greta fosse escolhida “Personagem Mundial 2019” pelo Grupo de Diários América (GDA), uma aliança de 11 jornais da América Latina, da qual O GLOBO faz parte. 
Um ano antes, em 20 de agosto de 2018, a mesma adolescente decidiu não ir à escola para se sentar do lado de fora do Parlamento sueco e protestar contra o que considerava o pouco progresso na redução da emissão de carbono em seu país. Com uma placa que dizia Skolstrejk för klimatet (“Greve pelo clima”), essa garota pequena, de rosto sério e diagnosticada com síndrome de Asperger enfrentou um assunto que muitos cientistas e ativistas haviam notado, mas poucos estavam dispostos a propor soluções. Foi tal o impacto que, duas semanas depois, ela fez seu primeiro discurso em público, algo que surpreendeu até seus pais, já que ela sofre de mutismo seletivo, o que não a impediu de se apresentar em 2019 em frente ao Fórum de Davos, em uma comissão do Senado dos EUA, no plenário da ONU e na COP 25, em Madri. Nascida na Suécia, em 3 de janeiro de 2003, filha da soprano Malena Ernman e do ator e escritor Svante Thunberg, desde pequena Greta era uma menina introvertida. Aos 8 anos, viu um documentário sobre mudanças climáticas e ficou tão chocada que isso causou uma profunda depressão. — "Eu penso demais. Algumas pessoas podem deixar as coisas acontecerem, mas eu não, especialmente se há algo que me preocupa ou me deixa triste" —disse ao jornal inglês The Guardian. 
Para Eloisa Silva, consultora de sustentabilidade e membro da rede de Iniciativa de Jovens Líderes das Américas, “o ‘fenômeno Greta’ é uma combinação de um momento histórico, em que o status quo está sendo questionado em todas as esferas, e vozes fortes surgem com o movimento feminista”. — Greta, sendo uma dessas vozes, pede mudanças claras e apela à ética das autoridades. Ela não tem medo, nem outra agenda além de representar o movimento social —disse.

FENÔMENO 

Sua determinação levou milhões de pessoas às ruas para se juntar à Sexta-feira pelo Futuro, enquanto outras aderiram ao flygskam ou “vergonha de voar”, que busca que as pessoas passem a usar meios de transporte menos poluentes. Ainda que tenham existido ativistas de peso que alertaram sobre as mudanças climáticas, o grande salto de Greta está na maneira como fala, e que muitos atribuem ao fato de ter Asperger, o que faz com que não se distraia com os interesses sociais próprios da idade. Não foram poucas as vozes que a atacaram. Em julho, a Opep a declarou “a maior ameaça” à indústria de combustíveis fósseis, enquanto o presidente dos EUA, Donald Trump, tuitou sarcasticamente que “ela parece ser uma garota muito feliz” e Jair Bolsonaro a chamou de “pirralha”. No primeiro, ela considerou a crítica como “um elogio”, enquanto as palavras de Trump e de Bolsonaro se tornaram sua biografia no Twitter.

sábado, 21 de dezembro de 2019

Decretos de Natal - O Globo de 21 Dezembro de 2019 - FREI BETTO


Decretos de Natal - O Globo  de 21 Dezembro de  2019 - FREI BETTO

Fica decretado que, neste Natal, em vez de dar presentes, nos faremos presentes junto aos famintos, carentes e excluídos. Papai Noel que nos desculpe, mas lacradas as chaminés, abriremos corações e portas à chegada salvífica do Menino Jesus.
Por trazer a muitos mais constrangimentos do que alegrias, fica decretado que o Natal não mais nos travestirá no que não somos: neste verão, arrancaremos da árvore de Natal todos os algodões de falsas neves; trocaremos nozes e castanhas por frutas tropicais; renas e trenós por carroças repletas de alimentos não perecíveis; e, se algum Papai Noel sobrar por aí, que apareça de bermuda e chinelos. Fica decretado que, cartas de crianças, só as endereçadas ao Menino Jesus, como a do Pedrinho, que escreveu convencido de que Caim e Abel não teriam brigado se dormissem em quartos separados; propôs ao Criador ninguém mais nascer nem morrer, e todos nós vivermos para sempre; e, ao ver o presépio, prometeu enviar seu agasalho ao filho desnudo de Maria e José.
Fica decretado que as crianças, em vez de brinquedos e bolas, pedirão bênçãos e graças, abrindo seus corações para destinar aos pobres todo o supérfluo que entulha armários e gavetas. A sobra de um é a necessidade de outro, e quem reparte bens partilha Deus. Fica decretado que, pelo menos um dia, desligaremos toda a parafernália eletrônica, inclusive o telefone celular e, recolhidos à solidão, faremos uma viagem ao interior de nosso espírito, lá onde habita Aquele que, distinto de nós, funda a nossa verdadeira identidade. Entregues à meditação, fecharemos os olhos para ver melhor. Fica decretado que, despidas de pudores, as famílias farão ao menos um momento de oração, lerão um texto bíblico, agradecerão ao Pai e Mãe de Amor o dom da vida, as alegrias do ano que finda, e até dores que exacerbam a emoção sem que se possa entender com a razão. Finita, avida é um rio que sabetero mar como destino, mas jamais quantas curvas, cachoeiras e pedras haverá de encontrar em seu percurso. Fica decretado que arrancaremos a espada das mãos de Herodes e nenhuma criança será mais surrada ou humilhada, nem condenada ao trabalho precoce e à violência sexual. Todas terão direito à ternura e à alegria, à saúde e à escola, ao pão e à paz, ao sonho e à beleza. Como Deus não tem religião, fica decretado que nenhum fiel considerará a sua mais perfeita que a do outro, nem fará rastejar a sua língua, qual serpente venenosa, nas trilhas da injúria e da perfídia. O Menino do presépio veio para todos, indistintamente, e não há como professar que é “Pai Nosso” se o pão também não for nosso, mas privilégio da minoria abastada. Fica decretado que toda dieta se reverterá em benefício do prato vazio de quem tem fome, eque ninguém dará ao outro um presente embrulhado em bajulação ou escusas intenções. O tem pogas toem fazer laços será muito inferiora o dedicado adar abraços. Fica decretado que as mesas de Natal estarão cobertas de afeto e, dispostos a renascer com o Menino, trataremos de sepultar iras e invejas, amarguras e ambições desmedidas, para que o nosso coração seja acolhedor como a manjedoura de Belém. Fica decreta doque, como os reis magos, daremos todos um voto de confiança à esperança, para que ela conduza este paí sadias melhores. Não buscaremos o nosso próprio interesse, mas o da maioria, sobretudo o dos que, à semelhança de José e Maria, foram excluídos da cidade e, co mouma família sem-terra, obrigados a ocupa rum pasto, onde nasceu A queleque, segundo sua mãe ,“despediu os ricos comas mãos vazias e encheu de bens os famintos” e, no Sermão da Montanha, exaltou como “bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça”.

COLAPSO FLORESTA É USINA DE ÁGUA - Cientistas alertam que Amazônia já dá sinais de transformação da floresta em campos - reportagem do jornal O Globo de 21-12-2019

COLAPSO FLORESTA É USINA DE ÁGUA
Cientistas alertam que Amazônia já dá sinais de transformação da floresta em campos

A nuvem negra que fez do dia noite em São Paulo, em 19 de agosto, chamou a atenção do mundo para as queimadas na Amazônia, cujas cinzas cobriram o céu da metrópole. Mas, em pleno bioma, há sinais mais evidentes da gravidade da situação. A Floresta Amazônica já apresenta sintomas de que caminha para o colapso, alerta o editorial assinado pelo climatologista Carlos Nobre e pelo biólogo americano Thomas Lovejoy e publicado na “Science Advances”, respeitado periódico científico. Há marcas claras de que estamos mais próximos do chamado ponto de inflexão, a transformação da floresta tropical em savana, com consequências para o clima do continente. Um risco identificado pelo próprio Nobre em 1990, em estudos pioneiros, e previsto para acontecer por volt ade 2050, se as mudanças climáticas não fossem combatidas. Nobre destaca que a transição para a savanização — a substituição da floresta por campos — mostra estar em curso no norte do Mato Grosso e no sul do Pará, com a estação seca mais prolongada e quente. A previsão era de que a savanização poderia ocorrer em meados deste século. Ane Alencar, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), diz que diferenças de até 13°C entre a temperatura de áreas desmatadas e remanescentes de floresta são claras nas cabeceiras do Xingu, no Mato Grosso.

O desmatamento, do qual as queimadas são o sinal mais evidente, tem acelerado o processo ao substituir a cobertura de árvores por pastagens, plantações sema mesma capacidade de retenção de umidade ou áreas devastadas e abandonadas. Ane explica que, sema floresta,não há ciclagem de água, poisa u mi da deéba ixa em grandes áreas desmatadas. — Temos visto os sinais se intensificarem acada ano.

Cresceu a mortalidade de árvores nativas da úmida Amazônia. A floresta morre e o clima sofre —destaca Nobre. No editorial, Nobre e Lovejoy frisam que as secas sem precedentes de 2005, 2010 e 2015/16 mostram que o ponto de inflexão “está aqui, é agora” e que a floresta precisa ser restaurada para “recuperar seu ciclo hidrológico e continuar a servir como motor do clima continental e parte essencial do ciclo de carbono”. O texto chega no fim de um ano em que o desmatamento da Amazônia subiu 29,5%, o maior aumento em duas décadas. A floresta ajuda a regular a chuva em escala local e em todo o continente. É ela que proporciona condições favoráveis à agricultura na América do Sul, à exceção do Chile. A cada dia, a transpiração das árvores leva 22 bilhões de toneladas de água do solo da floresta para a atmosfera. Cerca de 50% das chuvas têm origem na transpiração da própria floresta.

O vapor d’água transportado pelos ventos da Amazônia — os chamados rios voadores — é crucial para o abastecimento de água do sudeste da América do Sul. Um estudo apresentado no Sínodo para a Amazônia, no Vaticano, neste ano, mostrou que cerca de 70% do PIB do continente deriva da zona de influência da chuva produzida pela floresta.

ESTIAGEM PROLONGADA

A Floresta Amazônica devolve para a atmosfera, que redistribui pelo continente, pelo menos 75% da umidade que recebe das chuvas. Porém, quando uma área é desmatada, 50% da água é perdida no solo e não volta à atmosfera, diz o editorial. Dados indicam que a estação seca em 50% da Bacia Amazônica já se prolonga por algumas semanas, principalmente em áreas desmatadas. “O quanto a floresta ainda suportará até se converter numa savana tropical?”, questionam os autores. Segundo Nobre, parte da floresta, principalmente as regiões afetadas por grandes incêndios florestais, provavelmente já mudaram para um sistema diferente, que levará décadas ou séculos para se recuperar. O editorial afirma que o desmatamento levará ao aparecimento de savanas principalmente no leste e no sul da Amazônia, com possibilidade de se estender para áreas a sudoeste e ao centro, “porque essas zonas estão naturalmente perto do mínimo necessário de chuva para a floresta se manter”. Os cientistas advertem ainda que a área desmatada já é significativa e “assustadora”: 17% da Bacia Amazônica e cerca de 20% da Amazônia brasileira. Nobre e Lovejoy afirmam, todavia, que é possível evitar o desastre por meio de projetos ambiciosos de restauração, “particularmente nas regiões desmatadas e que hoje são pastagens e área de plantações abandonadas”. Elas representam 23% da área desflorestada.

CHANCE DE RECUPERAÇÃO

“Essas áreas, largadas à própria sorte, são provavelmente a principal razão por que a Amazônia já não virou uma savana em expansão”. Os cientistas destacam que as áreas mais críticas para o reflorestamento são o sul e o leste do bioma. Lembram que um projeto nessa linha poderia ser parte das metas assumidas no Acordo de Paris. Eles salientam que práticas econômicas de visão de curto prazo, como as monoculturas de soja, cana de açúcar e criação extensiva de gado, deveriam ser substituídas pela bioeconomia, baseada na floresta em pé e na biodiversidade. “O povo e os líderes dos países amazônicos têm o poder, a ciência e os instrumentos para evitar um desastre de escala continental. Juntos, podemos mudar a direção a favor de uma Amazônia sustentável.”