A expressiva queda de
9,7% na nota média da redação do Enem 2014 em relação à edição anterior acendeu
a luz amarela no governo e chamou a atenção de especialistas. Índices cada vez
mais baixos de leitura e a pouca familiaridade com o tema proposto pelo exame —
publicidade infantil — podem ter contribuído para o recorde de 529 mil
candidatos, ou 8,5% do total, com nota zero. Apenas 250 entre 5,9 milhões de
estudantes que tiveram seus textos corrigidos alcançaram o conceito máximo
(mil). Ao resultado ruim na disciplina (nota 470,8, ante 521,2 em 2013) se
somou ainda uma considerável queda (7,3%) no desempenho médio em matemática,
contribuindo para uma diminuição da nota geral de 1%.
Especialistas se
assustaram com a queda no rendimento de redação. Para o coordenador da Campanha
Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, em linhas gerais, o quadro
mostra a necessidade de reforço no ensino e na avaliação acerca da leitura e da
escrita nos anos finais dos ensinos médio e fundamental. Segundo ele, as escolas
do Brasil não prioriza a leitura escrita.
— Na prática, as aulas de língua portuguesa não estão reforçando a
dissertação — avalia. — E não estou falando de ensinar aos alunos como escrever
em português formal, mas de lhes proporcionar condições de se expressar
textualmente da maneira adequada.
A educadora Andrea Ramal, doutora em educação pela PUC-Rio, reforça os
argumentos de cara:
— Meio milhão de estudantes com nota zero é absurdo. Temos aí um número
significativo de analfabetos funcionais, que não conseguiram entender o
enunciado. Isso mostra que o Brasil continua a formar alunos no ensino médio
sem a devida preparação para entrar na universidade.
Para ela, os resultados do Enem 2014 ratificam a estagnação vivenciada
pelo ensino médio brasileiro nos últimos anos, revelada, inclusive, por outros
indicadores.
— O Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) e o Pisa
(Programa Internacional de Avaliação de Alunos) já nos mostram que não saímos
do lugar nos últimos anos — ilustra. — Desde o primeiro mandato da presidente
Dilma, esse é o quarto ministro da Educação. E todos os anteriores disseram que
uma das metas é reformar radicalmente o ensino médio. E, agora, Cid Gomes disse
o mesmo. A gente percebe, então, que vão-se os ministros, ficam as promessas.
Em matemática, a queda na média das notas foi de 514,1 para 476,6. Neste
caso, Daniel Cara disse acreditar que a baixa reflete uma oscilação esperada
dentro do panorama de uma avaliação como o Enem, no contexto contemporâneo
brasileiro.
— Como o número de participantes cresceu, a tendência é cair a média.
Essa oscilação é natural e seguirá por mais alguns anos, enquanto houver essa
variação no número de candidatos — observa. — E isso é bom, pois significa que
mais brasileiros estão vendo o ensino superior em seus horizontes através do
Enem.
Já a professora e coordenadora de Matemática do Colégio Sarah Dawsey,
Andrea Canela, acha que uma mudança no perfil da prova observada ao longo dos
últimos anos também pode estar por trás da queda no desempenho.
— Desde 2009, algumas pegadinhas começaram a aparecer com mais
frequência. E, como a prova de matemática é a última de um dia bastante cansativo,
já que há um total de 90 questões e a redação, os alunos não têm tempo de
revisar suas respostas, muita vezes caindo nessas armadilhas — comenta. — A
queda nas notas não chega a equivaler a um percentual altíssimo, mas mostra que
é preciso observar com atenção os próximos resultados. Houve aumento nos pontos conquistados em
ciências humanas, ciências da natureza e linguagens. As notas de ciências da
natureza apresentaram aumento médio de 2,3%: foram de 473,2 para 484. Em
ciências humanas, a pontuação saltou de 515,1 para 543, um crescimento de 5,4%.
E, em linguagens, houve incremento de 489,1 para 508,1 (3,9%). Durante uma coletiva de imprensa para
comentar os resultados, os representantes do governo federal elencaram as
razões que levaram às anulações de mais de meio milhão de redações. Entre os
candidatos que zeraram na disciplina, 217,3 mil fugiram do tema, 13 mil
copiaram o texto motivador, 7,8 mil escreveram menos de sete linhas, 3,3 mil
incluíram alguma parte desconectada do texto principal e 955 ofenderam os
direitos humanos. Essas pessoas estão automaticamente eliminadas: não poderão
se inscrever no Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que será aberto na próxima
segunda-feira.
O tema da redação foi diretamente relacionado pelo ministro ao resultado
ruim na redação. Em 2013, o texto pedido era sobre a Lei Seca, assunto
amplamente debatido na sociedade e na imprensa. A publicidade infantil, que
apareceu no ano passado, não é, para ele, “popular”. O ministro da Educação,
Cid Gomes, porém, não deixou de reconhecer que a má qualidade do ensino público
e a pouca leitura dos estudantes ajudam a explicar o tombo.
— Os estudantes estão lendo pouco. Não dá para fugir, camuflar e dizer
que o ensino público é bom. Está muito aquém do desejável. Estamos aqui para
lutar para melhorar — disse.
Presidente do Inep, Francisco Soares lembrou que o Enem não é um exame
obrigatório e, por isso, não abrange todos os alunos que concluíram o ensino
médio. Ele acrescentou que comparar o desempenho dos estudantes em 2013 e 2014
não é justo, já que o tema da redação não foi o mesmo:
— Seria completamente equivocado dizer que a redação é um problema neste
ano.
OS MELHORES RESULTADOS ESTÃO NA REGIÃO SUDESTE
Os dados apresentados ontem revelam que o desempenho dos alunos do
Sudeste é melhor do que os de todas as outras regiões. As redações dos alunos
da região, por exemplo, apresentaram pontuação média de 486,9. Os piores
resultados estão no Norte, onde os estudantes conquistaram, em média, 417,5
pontos na redação. Segundo Francisco Soares, o rendimento costuma ser melhor em
regiões nas quais o nível social, econômico e cultural dos pais é maior.
A partir da próxima segunda-feira, e até o dia 22, com a nota do exame
em mãos, o candidato poderá se inscrever em uma instituição pública de ensino superior
por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Há 205.514 vagas ofertadas. Em
comparação com janeiro de 2014, houve aumento de 11% no número de instituições
participantes e 20% no número de vagas disponíveis.
Do total de 63 universidades federais, 59 participam do Sisu neste
primeiro semestre. Todos os 38 institutos federais de educação, ciência e
tecnologia e os dois centros federais de educação tecnológica (Cefet) também
oferecem vagas. O ministro afirmou que será uma prioridade conversar com os
representantes das instituições que ainda não integram o sistema a fim de
fazê-los mudar de ideia.
Cid Gomes também afirmou que vai trabalhar para aumentar a oferta do
ensino médio em turno integral em todo o país. Segundo ele, o desempenho dos
alunos no Enem é melhor onde há esse serviço. O ministro ainda prometeu
informatizar o exame, para que os estudantes possam fazer as provas em
terminais de computadores.
— O Enem on-line é uma comodidade para milhões de brasileiros. Temos
técnica para isso, não precisamos fazer essa operação de guerra em todo o
Brasil e ficar sujeitos a sabotagem. Pretendo levar à presidente Dilma Rousseff
a proposta o mais rápido possível, para que possamos aproveitar tecnologias e
realizar o Enem de forma remota. Devemos trabalhar para que possa ter Enem o
tempo inteiro, toda hora, todo dia, quando quiser — disse o ministro.
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