Velha
companheira de caminhada da Humanidade.
A
ideia de superioridade, divina ou bélica, cobriu-a com o manto do poder.
Pela
força ergueu impérios e sustentou civilizações.
Pela
alienação justificou injustiças e legitimou a discriminação.
Ganhou
nome quando eslavos viraram ‘escravos’ nas mãos dos bizantinos.
Dominou
mundo afora, invadiu terras adentro, expandiu a ganância mercantilista e fez da
exploração do continente negro seu maior mercado.
Viu
senhores mouros do norte africano ostentarem servos de pele alva e olhos azuis
mediterrâneos, enquanto negociavam artigos de luxo e peças de ébano.
Cativou
povos, devastou territórios, extraiu riquezas do solo e de animais em nome de
coroas europeias.
Era
rentável negócio até para chefes negros que a alimentavam com gente de sua
gente.
Levou
uma raça a oferecer-lhe da própria carne.
Separou
famílias, subjugou reis, aprisionou guerreiros, reduziu seres humanos a
mercadorias.
Calunga
Grande muito ouviu os lamúrios dos Tumbeiros abarrotados em sua ordem.
Calunga
Pequena muito acolheu os vencidos pela sua sentença.
Plantou
seus filhos em nossos canaviais, cafezais e minas de ouro e diamantes.
Lavou
com sangue negro o chão das senzalas e os pés-de-moleque das cidades.
Foi
senhora de todos os senhores, mãe das sinhás, amante dos feitores.
Marcou
com ferro os que ousavam lhe renegar, levantar a cabeça.
Perseguiu
os de alma indomável que corriam ao encontro do sonho quilombola.
Quimeras
da liberdade de uma raça pirraça fortificadas entre serras e matas que teimavam
lhe enfrentar.
Porém,
as eras de prática envenenaram até as mais legítimas das lutas quando expuseram
suas raízes humanas nos quilombos.
Provocou
precisa e astuta fusão entre crenças apadrinhadas pela fé, amparo do rosário
das desventuras nesse benedito logradouro.
Coroou
santos reis e sagradas rainhas ao som de louvores batucados. Fitas da linha do
tempo presente e passado. Espelhos da ancestralidade.
Ouviu
os ventos soprados de longe que ressoaram brados iluminados de liberdade pelas
paragens brasileiras.
Abolir-te
foi palavra de ordem.
Utopia
e justiça para uns. Falência e loucura para outros. Caminho sem volta para
muitos.
“O
homem de cor” ganhou voz pelas ruas, força nos punhos da população, para além
das leis parcialmente libertadoras.
Contudo,
mesmo enfraquecida, sobrevivia sob a égide dos grandes latifundiários e nas
vistas grossas da hipocrisia.
Ferida
com a ponta afiada da pena de ouro que a áurea princesa empunhou ao assinar sua
redentora extinção, maquinada por uma sedenta revolução industrial de sotaque
inglês, caiu.
Uma
voz na varanda do Passo ecoou:
–
Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão!
Folguedos,
bailes, discursos inflamados e fogos de artifício mergulharam o povo em dias de
êxtase e glória.
Pão
e circo para aclamação de uma bondade cruel, pois não houve um preparo para a
libertação e ela não trouxera cidadania, integração e igualdade de direitos.
Mais
viva do que nunca, os aprisionou com os grilhões do cativeiro social.
Ainda
é possível ouvir o estalar de seu açoite pelos campos e metrópoles.
Consumimos
seus produtos.
Negligenciamos
sua existência.
Não
atualizamos sua imagem e, assim, preservamos nossas consciências limpas sobre
as marcas que deixou tempos atrás.
Segue
vivendo espreitada no antigo pensamento de “nós” e “eles” e não nos permite
enxergar que estamos todos no mesmo barco, no mesmo temeroso Tumbeiro,
modernizando carteiras de trabalho em reformadas cartas de alforria.
Jack
Vasconcelos - Carnavalesco
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Agradecemos pela sua visita!