A
urgência de encontrar soluções para controlar a Covid-19 tem revelado
a importância da ciência. Nem sempre fica claro, porém, como funciona essa
genial invenção humana. A pressão por resultados faz pensar que tudo é mágico:
a ciência resolve em um clique. Vã ilusão. Não há que confiar em opiniões
apressadas, mesmo que sejam de presidentes. A ciência se move por problemas.
Talvez mais importante seja o problema do que a solução, porque ele abre
caminhos que a solução encerra. Problemas podem ser “esotéricos” (como surgiram
os vírus na natureza?) ou práticos (como curar as doenças virais?).
Os esotéricos são abordados pela pesquisa básica, os práticos, pela pesquisa
aplicada, ambas incluídas no parque científico dos países modernos.
Tudo muito bonito, dirá o cidadão.
Mas a questão que interessa é a seguinte: como vamos curar a Covid-19? A
urgência do problema nos leva a mobilizar os pesquisadores com expertise básica
nas proteínas que jogam os vírus para dentro das células, por exemplo. Será que
conseguiríamos desenvolver uma molécula que ocupasse esses ancoradouros,
bloqueando a invasão viral? Se esse for um bom caminho, os
experimentos ficam mais aplicados: a primeira etapa é a pesquisa pré-clínica,
em que a substância com potencial terapêutico é estudada em células e animais
no laboratório. Digamos que a nossa molécula funcione nesses primeiros
experimentos. É preciso então percorrer um rigoroso protocolo de pesquisa
clínica.Uma primeira fase experimental indaga
se há efeitos colaterais indesejáveis, em um certo número de voluntários
sadios. Se não há efeitos negativos, seguimos adiante. A segunda fase, agora
com doentes e um grupo de controle (que recebe uma substância inócua),
investiga se os efeitos positivos pretendidos de fato ocorrem. Sim? Então se
passa à terceira fase, que avalia se é possível usar o novo medicamento em grande
escala (milhares de pessoas). Só depois dessa comprovação é permitido colocá-lo
nas farmácias e hospitais.Esse é um percurso de alto custo e
longa duração. Por isso, nas emergências sanitárias como a Covid-19, é preciso
buscar atalhos, sem abandonar o longo percurso para as emergências futuras.
Atalhos: medicamentos em uso para outras doenças, que já tenham passado pelas
primeiras fases de pesquisa. É esse o caminho que a OMS está tentando, no seu
programa Solidarity, um esforço global de pesquisa em 90 países, que inclui os
badalados antimaláricos cloroquina e hidroxicloroquina, bem como antivirais e
substâncias produzidas pelo sistema imunitário das pessoas.Outro caminho é possível no
desespero, mas eticamente questionável: infectar voluntários com o vírus e
estudar neles o efeito do medicamento-candidato. Complicado, como se pode
imaginar.Mas atenção. Tudo isso só é viável
nos países que tenham construído uma ciência robusta, com vultosos e constantes
investimentos. O Brasil começou esse processo há algumas décadas, mas patina
atualmente com os cortes que levam as prioridades para outras direções.
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