No momento em que todos, cada um a seu modo e na exigência de seu
intelecto, discutem o que seria a nova normalidade após a pandemia, nos
sentimos assolados por esse desconhecido “novo”, pelo desafio ainda longe de
solução, pelo excesso de informação, por vezes tóxico, e observamos as
diferenças e inquietudes sobre o que e como será a vida, o cotidiano depois. Em
meio a tantas incertezas, uma certeza: o homem, o planeta, sua
competitividade, seus padrões de consumo e dogmas precisarão encontrar uma
relação de outra qualidade.
Nunca, em
tal exíguo tempo, todas as categorias profissionais, não apenas os cientistas,
pesquisadores e médicos, tiveram tão pouco tempo para a perplexidade, e de pronto
canalizaram seus melhores esforços, na busca incessante de respostas sobre a
história natural, a biologia do vírus, a patogenia e possíveis tratamentos.
Agências regulatórias e comitês de ética trabalham em regime de urgência todos
os dias, inclusive no Brasil, com o cuidado de, diante da premência e do
tamanho da tragédia, minimizar o improviso e as medidas sem a necessária
sustentação científica para aplicação in anima nobili. Até o momento fica claro
que obter uma vacina capaz de prover a imunidade de rebanho e prevenir o vírus
e suas mutantes, que certamente ocorrerão, é o objetivo maior.
Há,
entretanto, vidas a salvar agora, e tem sido exaustivamente alertado que a arma
mais poderosa é o distanciamento social, ou o “fique em casa”, que já deveria ter
sido incorporado ao saber popular. Sabe-se que a maior causa da
morbidade em pessoas infectadas pelo SarsCoV-2, como na epidemia de Mers-Cov,
há alguns anos, é a síndrome de liberação de citocinas, ou tempestade
imunológica, resultando em falência respiratória e um cortejo de fenômenos, com
desfechos clínicos graves, ou morte. Evitar que cheguem muitas pessoas a esse
ponto, exaurindo a estrutura de saúde, é estratégico, especialmente neste
momento da disseminação em que estamos. E fazer do grande número de curados uma
permanente inspiração.
Meu amigo
Régis Debray, em conversa recente, disse em sua agudeza que “as crises são
impudicas, no que desnudam os reis e passam as sociedades num raio-X, lhes
revelando o espírito”. É fato, e lembrávamos que um dos maiores legados
da peste negra (1347) foi a destruição do frágil sistema médico, centrado nos
conceitos de Hipócrates, Galeno e Avicena, porém rígido e hermético na prática. Médicos
todos homens e muitos ligados ao clero. Naquele momento a resposta exigida das
novas gerações resultou em mudanças que levaram à medicina clínica do século
XVII em diante. Num divisor de águas histórico, levaram sobretudo ao
Renascimento. O grande Petrarca, ao descrever a primeira peste, disse: “feliz
a posteridade que não experimentou esse abismo e que olhará o nosso testemunho
como se fosse uma fábula”.
Nesse
panorama teórico e prático do nosso tempo, espécie de iluminismo do verdadeiro
início do século XXI, sem profecias, acreditamos numa conjunção humanista de
nova natureza e no conhecimento e sua disseminação capilar e mais democrática,
mantendo a centralidade da pessoa como quem deverá comandar o porvir após a
pandemia.
Em meio a tantas incertezas, uma certeza: o homem precisará encontrar uma relação de outra qualidade.
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