Gostar
do filho é saber-se ridículo no meio da mais completa grandeza. É ser piegas
tanto quanto profundo e conviver com o que se soube economizar do emprego com o
padrão vida. E descobrir-se mudando a cada dia, um reviver aprendido.
Gostar
do filho é perceber-se nada ante seu olhar implacável e sentir-se tudo ante sua
dependência. E babar retratinhos, depois de tê-los desdenhado nos outros. É
voltar a parques e circos sem precisar de desculpas, e fingindo que reclama do
"trabalhão que eles dão". Gostar do filho é reencontrar medos antigos
que ficaram sepultados na personalidade adulta. E aprender a calar pois chegará
o momento de dizer (nem sempre é na mesma hora). Gostar do filho é sobretudo
saber "não saber". Ou testar o que sabe, com modéstia e humildade.
E
incorporar o que não sabe sem inveja. É usar o que sabe com prudência. É
reformular a cada dia. É confirmar a cada instante. É tanto conhecer o que
muda, como o que não muda, e saber distinguir os dois na hora certa.
Gostar
do filho é sentir seu crescimento. Acompanhar seios, barbas, hormônios, fala,
baba, cheiros, pêlos, palavras, letras, cadernos calças, espasmos, choros, medos,
surfe, pelada, boneca, sexo, piriri, espanto, esbarro, radiografia, namorada,
astronomia, mesada, mulher, homem, tudo acompanhar no mais altruísta dos
egoísmos.
Gostar
do filho é permitir-lhe o vôo, no máximo ensinando-o a distinguir ninho de
arapuca. É amar a liberdade, mas ter medo da dele, permitindo-a. Gostar do
filho é desaprender a dormir para poder dormir em paz. É aprender a renunciar e
a agüentar. É redescobrir agasalhos, natais, escadas rolantes, selos, caixas de
fósforo, botão, prancha ou vestidinho. É conviver, roçar a pele, ficar todo
mole quando ganha um .abraço espontâneo depois de ter rejeitado tantos outros
lá fora. E ser cego e clarividente. Profeta e embotado. Sábio e burraldo.
Valente e covarde. Bobão e frio. Inseguro e protetor.
Mas
gostar do filho é sobretudo saber esperar. Não ter a pressa de aceitações,
entendimentos e devoluções à vista. E saber conquistar pelo menos uma lembrança
compreensiva, não importa quando venha, no fim dos tempos ou depois de amanhã.
Saber
esperar as quatro estações cuidando as podas, regas, adubos, como quem cumpre
um ritual, se possível cantando as canções da colheita, as que trazem a messe e
a esperança do fruto. Que virá. Carregado de sementes.
Por Artur da Távola
Retirado do Livro;
ANDRADE, Durval Ângelo e GONÇALVES, Ana Maria- Palavras Encantadas, 11ª edição. Belo Horizonte: Expressa, 2014 , p.175
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