OPINIÃO
Expressa as ideias do autor e defende sua interpretação dos fatos
DANIEL BECKER E RENAN FERREIRINHA
Daniel Becker
Pediatra e sanitarista, é médico do Instituto de Saúde Coletiva da UFRJ e da Soperj
Renan Ferreirinha
Secretário municipal de Educação do Rio de Janeiro
Parece que a sociedade está chegando a um consenso. Pais, educadores, pediatras, gestores públicos, todos percebemos que o excesso de telas, especialmente do celular com seus aplicativos, está provocando danos às nossas crianças e adolescentes.
Nossa juventude vive uma crise: perdas no desenvolvimento, dificuldades de aprendizado e atenção, privação de sono, transtornos comportamentais e isolamento. Reportagem recente da Folha, que analisou dados do SUS de 2013 a 2023, mostrou aumentos que chegam a estrondosos 1.500% em atendimentos por ansiedade e depressão entre 10 e 19 anos, especialmente em meninas.
Evidências científicas apontam que, se o uso excessivo das telas não é o único culpado, é um dos principais implicados.
Sabemos que redes sociais e outros aplicativos criam mecanismos para provocar dependência, e as crianças são mais suscetíveis. Com isso, elas passam cada vez mais tempo na tela, chegando a 9 ou 10 horas por dia —e começam cada vez mais cedo.
A sucessão de conteúdos curtos, publicitários e superficiais as torna consumistas, apáticas, acríticas, desatentas, incapazes de ler. As bolhas de radicalização geradas pelo algoritmo promovem negacionismo científico e climático, intolerância, violência e bullying, e as deixam suscetíveis a fanatismo político e golpes cada vez mais sofisticados.
A comparação com belezas filtradas e vidas falsamente perfeitas deprime e reduz a autoestima.
Várias medidas estão em marcha para reduzir o uso de telas pelos jovens. Famílias estão se mobilizando para retardar a entrega do celular. Um guia sobre o uso adequado de telas está sendo criado por especialistas e equipes de sete ministérios. A regulamentação das redes está voltando à pauta.
Celular na sala de aula
Além disso, muitas escolas estão optando pelo banimento do celular, num movimento que ocorre simultaneamente em inúmeros países, por iniciativa de governos ou de comunidades escolares.
A escola é o espaço público primordial da criança, onde ela adquire habilidades fundamentais, como colaboração, foco, resolução de problemas e conflitos, além de ter contato com artes, esportes e cidadania. Um lugar para aprender a pensar criticamente, a se relacionar com o outro, com o coletivo, com o mundo.
O óbvio: a mera presença do celular na sala de aula, mesmo na mochila, já perturba a atenção. Estudos mostram um sério prejuízo no aprendizado. Isso não se discute mais.
Mas há o precioso recreio. Com as cidades inseguras e crianças confinadas e sem contato com amigos e com a natureza, o pátio escolar se tornou o último reduto da mais essencial atividade da infância: o brincar. E o celular transforma brincadeiras e trocas de afeto em um deserto de imobilidade, isolamento e bullying.
A escola, como espaço regulamentado, oferece uma valiosa pausa para viver no mundo real, o que é cada vez mais difícil lá fora. Isso não significa afastar a criança da tecnologia: existem outros meios menos distrativos, mais eficazes e seguros para esse fim. O uso do celular pode ser permitido para alunos que os necessitem por questões de saúde e em alguns momentos, para que a escola cumpra uma função que precisa assumir: a educação midiática. Mas a presença do aparelho no dia a dia não faz sentido.
A rede municipal de ensino do Rio de Janeiro foi a primeira a banir celulares, exceto para uso pedagógico autorizado pelo professor. Mais de 650 mil alunos da rede municipal e outros milhares de estudantes em grandes escolas privadas já vivem essa realidade. Os primeiros resultados são excelentes: satisfação de professores, de famílias e até dos alunos, que recuperam o prazer de brincar, interagir e aprender.
Está na hora de espalhar essa onda por todo o Brasil.
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