A Arte como Memória Viva: Análise das obras de Luciana de Oliveira Teixeira
Luciana de Oliveira Teixeira, artista carloschaguense, apresentou suas obras durante a FEACC em um stand da Prefeitura Municipal de Carlos Chagas, revelando ao público uma produção artística profundamente enraizada na memória coletiva local. Suas peças, feitas a partir de sobras de madeira, foram por ela mesma definidas como “souvenirs” ou “minimundos”. Mas ao observar atentamente sua obra, percebemos que seu trabalho ultrapassa essas categorias utilitárias ou decorativas e adentra o território simbólico e afetivo da arte como recriação da memória.
Seguindo a perspectiva de Jorge Coli em O que é Arte, a arte não se define pela utilidade, mas pela capacidade de comunicar, de provocar sensações, reflexões e resgatar sentidos. É nesse ponto que Luciana se afirma como artista plástica: suas criações não são apenas objetos, mas narrativas visuais, feitas com o olhar de quem carrega dentro de si o repertório da cidade, sua arquitetura emocional e seu imaginário histórico.
Desde 2015, Luciana vem cultivando essa forma singular de expressão, mas foi com a exposição no Movimento Rota Bahia-Minas que sua arte ganhou maior visibilidade, a ponto de a Prefeitura reconhecer seu valor e realocá-la da Secretaria de Assistência Social para a Secretaria de Cultura. A decisão institucional, em si, revela a força política e identitária de sua obra.
Luciana transforma restos de madeira – materiais rejeitados pela lógica do consumo – em arte carregada de sentido. Cada peça é uma lembrança afetiva dos monumentos históricos de Carlos Chagas: igrejas, a ponte de ferro sobre o Rio Urucu, a Estação Getúlio Vargas da extinta Ferrovia Bahia-Minas, além das casinhas típicas e alguns outros monumentos da cidade. Esses elementos não são reproduzidos de maneira técnica ou arquitetônica, mas sim reinterpretados com um olhar subjetivo e poético, marcado por cores intensas, formas estilizadas e uma afetividade latente.
Ao “recontar” a cidade por meio de miniaturas, Luciana oferece à comunidade um espelho do que foi e do que permanece em sua memória cultural. Ela combate o esquecimento com arte – e nisso reside seu maior gesto político e artístico.
Sua obra evoca o que Coli aponta como arte que nasce do impulso criativo humano, que se realiza mesmo fora dos circuitos tradicionais, mas é legitimada pela sua potência de significar. A influência da incentivadora Múcia mostra também como o olhar do outro, ao legitimar, pode transformar um fazer silencioso em voz estética coletiva.
Luciana, portanto, não apenas cria réplicas: ela cria presença. Sua arte devolve ao povo de Carlos Chagas as imagens que o tempo quase apagou, mas que permanecem vivas pela mão da artista. Cada obra sua é um gesto de cuidado com a história, com a memória e com a identidade de um lugar.
Com grande sensibilidade, durante a FEACC, tive a oportunidade de conversar diretamente com Luciana sobre os propósitos e a energia que movem sua criação. Em nosso diálogo, pude perceber que seu fazer artístico nasce de uma relação íntima com a memória afetiva e com a cidade que habita — algo que vai além da técnica e se enraíza no simbólico. Por reconhecer a profundidade e originalidade desse processo criativo, sugeri a ela a leitura da obra O que é Arte, de Jorge Coli, como uma possibilidade de aprofundamento e reflexão sobre o que, intuitivamente, ela já realiza com maestria: dar forma à arte como linguagem, como ponte entre o vivido e o imaginado. O estudo da obra pode, assim, auxiliá-la na compreensão conceitual de sua própria prática e ampliar ainda mais a consciência do valor cultural que seu trabalho representa.
@professordeodatogomes
Deodato Gomes Costa