Quando me veio a razão já não existia mais a Bahia-Minas, mas confesso que este é um assunto que mexe com muita a gente inclusive comigo. Lembro de quando pequeno ainda do seu traçado em frente a minha casa na Rua Frei Simeão. Depois de conhecer toda esta história ninguém fica imune. Pensar que a Ferrovia foi aberta para levar o milagre econômico ao Vale do Jequitinhonha e a um pedaço do Sul da Bahia. Mas a má gestão, a corrupção, sempre ela, e a precipitada decisão do governo militar de apostar no avanço das rodovias decretaram o fim da linha, em 1966. E mais, extinguir uma Ferrovia para atender a necessidade de expansão das indústrias automobilísticas é para deixar a gente sem entender mesmo.
Ponta
de Areia (BA), Teófilo Otoni (MG) e Araçuaí (MG) – Os verdes olhos de Glair
Farina, de 71 anos, enxergam o passado toda vez que o ex-ferroviário observa,
incrédulo, “o descanso para sempre” da Pochixá, exposta na Praça Tiradentes, em
Teófilo Otoni, a 450 quilômetros de Belo Horizonte. A maria-fumaça é um dos
poucos símbolos que restaram da Bahia-Minas, a ferrovia aberta para levar o
milagre econômico ao Vale do Jequitinhonha e a um pedaço do Sul da Bahia, duas
das regiões mais carentes do Brasil.
A
Baiminas, como moradores se referem à linha, foi inaugurada em 1881 e
desativada em 1966. Seus 578 quilômetros ligaram o Jequitinhonha ao Atlântico,
de Araçuaí a Ponta de Areia, onde os trilhos desembocavam num porto que recebia
navios da costa do Sudeste. O sertão se tornou parceiro comercial de grandes
centros. Mas não foi só por isso que a ferrovia se tornou um marco na economia.
À medida que os trilhos avançavam, povoados e cidades eram fundados. Foi assim que a ferrovia atraiu aportes, fomentou a geração de empregos e estimulou o plantio em terras até então inóspitas. O progresso puxado pela maria-fumaça é descrito por vários pesquisadores. Jaime Gomes, autor de Um trem passou em minha vida, destacou que “milhares de pessoas se deslocaram para aquela região. (…) Montaram engenhos, serrarias e olarias; fundaram vilas, povoados e até cidades. Parte do Sul baiano e do Nordeste mineiro prosperaram, milagrosamente”.
Mas a má gestão, a corrupção e a precipitada decisão do governo militar de apostar no avanço das rodovias, em detrimento das estradas de ferro, decretaram o fim da linha. Em muitas cidades e povoados o progresso foi embora. A última viagem completou 55 anos em maio de 2021. Em alusão à data, o EM e o em.com.br mostram, em série de reportagens, como boa parte da região que experimentou o progresso agora está órfã dos trilhos.
Lugares
que prosperaram encolheram. Carlos Chagas, por exemplo, foi o maior criador
estadual de ovinos, ao abrigar 17 mil animais em 1955. No ano em que a
maria-fumaça silenciou, 36,2 mil moradores moravam lá. Em 2010, quando o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou o último censo,
pouco mais de 20 mil pessoas residiam no município.
Já Teófilo Otoni foi o terceiro município mais populoso do estado na década de 1960, com 130 mil moradores, atrás de Belo Horizonte e Juiz de Fora. Agora não figura entre os 10 maiores. Na vizinha Itambacuri, o total de habitantes caiu de 29,9 mil para 22,8 mil. Em Poté, onde havia mais de uma estação na área rural, de 20,1 mil para 15,6 mil. Em Nanuque, de 50,8 mil para 40,8 mil. Em Serra dos Aimorés, de 12,8 mil para 8,4 mil.
Os povoados em áreas rurais sofreram mais, como se observa em Alfredo Graça. A estação, que foi ponto final na década de 1940, agora sofre com o abandono. As vidraças quebradas e defeitos no telhado deixam claro que o imóvel necessita de reforma urgente. Há propostas para o local ser transformado em espaço para biblioteca, mas a morosidade do poder público em resgatar o prédio contrasta com a importância que a edificação teve para o Jequitinhonha.
Em Ponta de Areia, a estação foi jogada ao chão. O lugar que os trilhos desembocavam no porto se transformou num mangue, onde ex-funcionários da linha agora caçam siris. O povoado é distrito de Caravelas. Lá também havia outra estação. Em 1967, um ano depois da última viagem pela Baiminas, a população de Caravelas e de seus distritos somavam 31,1 mil moradores. Hoje são 10 mil pessoas a menos.
“Depois que a Baiminas acabou, o emprego sumiu. O povo foi para outros lugares”, explicou Antônio Lima Silva, de 80. Ele sente orgulho em dizer que ganhou a vida na estrada de ferro.
“Quanta mudança!”, completa Glair, o veterano de olhos verdes que fica incrédulo diante da Pochixá, que descansa numa praça em Teófilo Otoni. Ele trabalhou boa parte da vida na Baiminas: “Fui contratado aos 11 anos de idade, como ajudante, na mesma época em que meu pai, então chefe da estação, faleceu. Sou o mais velho de oito irmãos e ajudei a sustentar a família. Uma pena a região ter ficado assim”.
Lamento como o dele é ouvido facilmente nos lugares que um dia ouviram o apito da maria-fumaça. Entre os veteranos, muitos fazem promessas para que as locomotivas voltem a percorrer os imponentes túneis ao longo da estrada de ferro, como os que existem entre Ladainha e Teófilo Otoni.
HISTORICO DA LINHA: A E. F. Bahia a Minas começou a ser aberta em 1881, ligando finalmente Caravelas, no litoral baiano, à serra de Aimorés, na divisa com Minas Gerais, um ano depois. Somente em 1898 a ferrovia chegaria a Teófilo Otoni, e em 1918, a Ladainha. Em 1930 atingiu Schnoor. Em 1941, chegou a Alfredo Graça, e, em 1942, chegou em Arassuaí, seu ponto final definitivo. A ferrovia originalmente pertencia à Provincia da Bahia; em 1897 passou a ser propriedade do Estado de Minas Gerais, para, em 1912, passar a ser administrada pelos franceses da Chemins de Fer Federaux de L'Est Brésilien até 1936, retornando nesse ano a ser uma ferrovia isolada. Em 1965, foi encampada pela V. F. Centro-Oeste e finalmente extinta em 1966. Embora tenha havido planos para a união da ferrovia com a Vitória-Minas, tal nunca ocorreu e ela permaneceu isolada.
DE UMA PONTA A OUTRA
A viagem que virou música
Sete anos depois de a ferrovia ser desativada, Fernando Brant (1946-2015) percorreu o trecho para uma reportagem publicada na revista O Cruzeiro. O antes e o depois da Baiminas inspiraram o parceiro de Milton Nascimento a compor Ponta de Areia. Brant reparou o quanto praças ficaram vazias sem as locomotivas e os vagões. E lamentou o destino de velhos maquinistas. Os versos soam como saudade aos mais antigos: “Ponta de Areia, ponto final/ Da Bahia-Minas, estrada natural/ Que ligava Minas ao porto, ao mar/ Caminho de ferro mandaram arrancar/ Velho maquinista com seu boné/ Lembra do povo alegre que vinha cortejar/ Maria-fumaça não canta mais/ Para moças flores janelas e quintais/ Na praça vazia, um grito, um ai/ Casas esquecidas, viúvas nos portais”.
Estação Getúlio Vargas-Urucu-E. F. Bahia-Minas - km 233,400 (1960)-MG-3563-Altitude: 152 m-Inauguração: 31.07.1892