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segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Publicado no Jornal o Globo de hoje-30-12-2019 - A Crise afeta as matrículas no Ensino Médio Privado no Brasil


Com mensalidades mais altas, queda de poder aquisitivo das famílias e mais institutos federais de educação, os colégios particulares no Brasil perderam quase um terço de seus estudantes de ensino médio para a rede pública, de 2014 a 2018. Isso representa 351 mil alunos a menos.

Escolas privadas no Brasil perderam quase um terço (27%) de seus alunos de ensino médio comparando 2014 a 2018. Isso corresponde a 351 mil estudantes a menos. A avaliação de representantes do setor é que existe um conjunto de fatores que causa essa queda. Eles passam por crise econômica agravada em 2015, abertura de institutos federais de educação a partir de 2013, Prouni e o salto no valor da mensalidade.

— Fomos muito prejudicados em dois momentos. Primeiro com a lei do Prouni (que oferece bolsas em faculdades privadas), no começo da década, que só era destinada a alunos que fizeram o ensino médio na rede pública, o que não acho correto. O outro foi a proliferação dos institutos federais de educação, onde os alunos encontram um ensino com qualidade parecida e de graça — avalia Ademar Batista Pereira, presidente do Sindicato das Escolas Particulares (Sinepe) nacional.

O ensino médio passa por transformação no Brasil. Em 2021, deverá ser concluída a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O novo formato vira realidade até 2022, com os itinerários formativos, nos quais os alunos poderão decidir o que estudar em 40% da carga horária total do curso.

Com um maior número de professores, além de profissionais mais bem remunerados, as mensalidades costumam ser até 50% mais altas do que as escolas de ensino fundamental. Nos colégios privados, esse valor mais do que dobrou em sete anos, segundo o IBGE. Tudo isso num cenário de grave recessão.

— Se vem um aperto no orçamento doméstico, o reflexo será a inadimplência e a consequente saída do aluno da escola particular — avalia José Carlos Portugal, presidente do Sinepe do Rio, que não prevê melhora do cenário com a retomada da economia. — Somos um dos últimos setores beneficiados, pois o nosso ciclo de atuação é de um ano. As famílias sempre aguardam consolidar a melhora das finanças para voltar a investir num ensino diferenciado.

FUGA PARA A PÚBLICA

Valdeci de Sousa Silva Araujo, de 47 anos, é uma dessas mães que tentaram de tudo para manter os filhos na escola privada. Ela tem um casal de gêmeos de 15 anos que estudavam em uma unidade particular no ensino fundamental. No entanto, após três anos com o pai deles desempregado, os jovens passarão para a rede pública quando entrarem no ensino médio, em 2020.

—Agente foi apertando. Mas agora não dá mais —afirma. —Para ser sincera, não estou tranquila com essa decisão. Meu coração está muito apertado. A qualidade de ensino pode cair, e isso me preocupa. Estou fazendo a mudança porque não consigo mais pagar a escola particular.


Além do cenário desfavorável, o setor reclama da lei 9.870, que completou 20 anos em novembro. Chamada de “lei do calote” pelos donos de colégios, ela regula a cobrança das mensalidades. O artigo mais questionado pelo setor proíbe “a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento”.

Em outras palavras, o aluno não pode parar de receber aulas e avaliações caso a mensalidade esteja pendente. Além disso, a escola também está proibida de reter documentos, como histórico escolar, com o objetivo de os estudantes se matricularem no ano seguinte em outra unidade.

FECHAMENTOS

— Minha escola tem poucos alunos, 120 só. A cada ano, não recebo, em média, R$ 50 mil a R$ 60 mil. Isso pesa muito. A única forma que a gente tem para se proteger é ver se o aluno pagou o mês de dezembro na escola anterior — afirma Rosane Fernandes, dona da Escola Parque São José, no Méier, Zona Norte do Rio, que criou um movimento de colégios na cidade, chamado SOS Particulares, contrário à lei.

Hoje contabilizo 10% dos alunos me devendo há seis meses. Por mais que os valores sejam altos, a inadimplência ainda é pouca. Tem escola maior que chega a 30%. E aí não tem jeito, elas fecham.

Ainda de acordo com a lei, o pai do aluno está sujeito às “sanções legais e administrativas, compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor, e com o Código Civil Brasileiro, caso a inadimplência perdure por mais de noventa dias”.

Isso significa que o dono da escola pode fazer a cobrança judicialmente, o que leva o nome do inadimplente para o SPC e o Serasa.

—Essa lei é necessária, pois Educação não pode ser cortada como água ou luz — defende Luis Claudio Megiorin, advogado e um dos coordenadores da Confederação Nacional das Associações de Pais e Alunos. —O pai, quando passa por um momento difícil e não consegue pagar, pode ser cobrado na Justiça.

O resultado da crise afeta especialmente as unidades que não fazem parte de grandes redes de ensino. Assim, colégios tradicionais têm fechado as portas. O Rio, por exemplo, perdeu o Colégio Republicano, em Vaz Lobo, que tinha 91 anos.

— A falta de alunos é um dos fatores que levaram ao fechamento. Mas a lei do calote também pesou, junto da crise financeira, o que não isenta a administração, que não se preocupou em modernizar a escola — avaliou um professor, que pediu para não ser identificado.

“Tenho 10% dos alunos me devendo há mais de seis meses. Isso pesa muito”

Rosane Fernandes, dona da Escola Parque São José, no Méier, Zona Norte do Rio
“Estou colocando (na rede pública) porque não posso pagar escola particular. Mas meu coração está apertado” Valdeci de Sousa Araujo, mãe que transferiu filhos gêmeos para escola pública
FONTE: Jornal O Globo