Em 2022, a independência
do Brasil fará 200 anos. É verdade que o Brasil não está para oba-obas, mas, a
um ano e pouco do evento, é de estranhar o silêncio a respeito. O canhão não
vai desfilar? Os escolares não agitarão bandeirinhas? Em compensação, e embora
eles também só se completem em 2022, as trombetas já anunciam os cem anos da Semana
de Arte Moderna. E com razão: para muitos, esta é que foi a verdadeira
independência do Brasil —nossa libertação dos sonetos parnasianos e dos
pronomes bem colocados.
Prepare seu coração. Para
marcar o centenário da Semana, planejam-se exposições, livros, vídeos, torneios
de futurismo, maratonas de teses de pós-doc, gincanas de poemas-piada e até
cursos de antropofagia para forno e fogão —acabaram de descobrir a receita do
famoso angu da Pagu, aquele que fez o lar de Tarsila vacilar. E muito mais. Até
eu, representando os espíritos de porco, já fui chamado a dar sugestões.
Uma delas, um simpósio
sobre a profunda fé religiosa de Oswald de Andrade, antes, durante e depois de
1922. Poucos sabem dela. Com sua fama de canibal, é difícil imaginar Oswald
devotado a novenas, jejuns e penitências, não? Mas é verdade, e já há gente à
procura das medalhinhas da Virgem que ele espetava no forro do paletó. Se pensa
que estou brincando, consulte as inscrições “Laus Deo” —Deus seja louvado— na
última página de “Pau Brasil” (1925) e “Laus Nossa Senhora da Aparecida”, na do
“Primeiro Caderno do Aluno de Poesia” (1927). Quanto a comer o bispo Sardinha,
como Oswald apregoava, esqueça —sardinha, para ele, só a Coqueiro.
Tenho escrito um bocado
sobre Oswald nesta coluna, às vezes com desagrado para seus fãs. Acusam-me de
não gostar dele. Ao contrário, admiro-o tanto que vejo nele dois Oswalds e sou
fascinado por ambos.
Tanto aquele que seus
contemporâneos conheceram quanto o que ele construiu para a posteridade.