Um momento de Tertúlia no nosso Girassol
Caros leitores,
É com grande prazer que apresentamos mais um momento encantador de nossa Tertúlia no Girassol. Hoje, trazemos uma história envolvente de Sylvia Orthof, que nos ensina sobre acolhimento e respeito às necessidades de nossos alunos. A narrativa "Um Pipi Choveu Aqui" nos convida a refletir sobre a importância de compreendermos e atendermos as demandas individuais de cada criança, de forma empática e humana.
Sylvia Orthof, com sua escrita leve e cativante, nos conta a história de Pedroca e sua experiência escolar inusitada. Através desta metáfora lúdica e divertida, somos lembrados da relevância de ouvir e entender nossos alunos, acolhendo suas necessidades e transformando o ambiente escolar em um espaço de compreensão e crescimento mútuo.
Convido todos a se deleitarem com esta leitura, refletindo sobre as lições que ela nos proporciona e reafirmando nosso compromisso com uma educação que valorize cada estudante em sua singularidade.
Com carinho,
Deodato Gomes Costa
@professordeodatogomes
Um Pipi Choveu Aqui
Sylvia Orthof
Lá vem andando, todo cacheado, meio chateado, é Pedro-Pedroca, Catimbirimboca de Firimfimfoca. Não pensa em sorvete e nem quer pipoca... Mas o que é que houve com Pedro-Pedroca? Vem num chuque-choque, todo encharcado, parece um pinico meio entornado!
Vem vindo da escola, com sua sacola estourando de cheia e, dentro do sapato, a verdade é um fato: está molhada a meia. Mas que coisa aconteceu? Ninguém conta? Conto eu:
A Chuva
A Professora Dona Carola, muito antiga na antiga escola, explicava e repetia por que a chuva, chovendo, chovia. Dona Carola explicava, com uma voz que sabia o que dizia. Era uma voz esganiçada, que baixava e que subia. Ai, que voz tinha a Carola! Falava, que agonia! Falava, falava muito, logo depois repetia, repetia, que agonia, enquanto a turma ouvia, escutava, ai, sofria!
Dizia Dona Carola, ditava, lia, relia, escrevia e copiava, mais uma vez explicava por que a chuva chovia. Dizia Dona Carola que a chuva não era água de uma torneira que se abria:
A chuva é água do rio, água do mar, ou do lago, que sobe como um vapor, no céu fica condensada, é nuvem, nuvem a boiar, depois chove a gotejar!
Pedroca ouvia calado, com cara de chateado, mas de tanto ouvir falar de chuva, de pingo e mar, foi ficando apertado, apertado, apertado, querendo também pingar, sentindo, ai, ui, de repente, ai, que vontade insistente de fazer pipi... URGENTE! Pedroca, muito acanhado, pede, com o dedo levantado, pra sair logo e ligeiro:
Posso ir lá no banheiro?
A professora, zangada, não quer ser interrompida, responde, toda enfezada, muito danada da vida:
Estou aqui explicando, sobre a água que evapora. Não interrompa minha fala! Quando eu falo, não é hora de você sair da sala!
Pedroca, todo encabulado, trança as pernas, com cuidado. Dona Carola não se cala, fala de pingos, gotas, fala, mostra a água na panela, explica o que é o vapor, diz que a chuva é tal e qual, fala tanto, que horror, fala de pingos, fala, fala. Pedroca já passa mal, Pedroca já não aguenta, já nem sabe como senta. De repente, pensa assim:
Eu faço só um pouquinho, três pingos de pipizinho, espero evaporar... mais três pingos, novamente, num pipi eu vou pingar, com o pipi evaporando, ninguém ficará notando e eu vou me aliviar!
E Pedroca não aguenta, três pinguinhos solta... e tenta o resto todo segurar... mas o pipi sai a jato, como um jato de avião, molhando até seu sapato, fazendo um lago no chão!
Dona Carola vem danada, com cara toda enrugada, atravessando a sala, briga, briga, fala, fala. Dona Carola não entende que a chuva também sai da gente?
Desculpe, Dona Carola, eu não quis molhar a escola, só experimentei a lição! Meu pipi não se evapora?
Dona Carola, com o dedo, aponta a porta da escola e vai dizendo na hora:
Vá para casa, sem demora!
É por isso que Pedroca está catimbirimboca, sobe a Serra Matutoca do Firimfirimfimfoca. Mas no céu, uma nuvem, ali, parece que vai chover, que nuvem gorda, venha ver! Fica animado e grita:
Estou vingado!
Pedroca Catimbirimboca, Serra Matutoca de Firimfimfoca, sobe a serra, vai pulando, pulando igual à pipoca! Vai pulando e vai gritando, três sapos o acompanhando, com uma tartaruga apressada, correndo, toda animada, seguida de um gordo pato, fazendo grande espalhafato, da chuva todos fugindo e Pedroca vai gritando, vai molhado e vai sorrindo:
Estou vingado! Meu pipi, evaporado, virou nuvem, vem ali! Vai chover muito pipi pra molhar Dona Carola, meu pipi, em chuvarada, vai inundar a escola!
E choveu, choveu, choveu. Lá vai a Dona Carola, montada num quadro-negro, que já virou barcarola. A chuva é meio amarela? Será imaginação? Será que um pipi no chão evapora, vira nuvem, inunda toda uma escola, encharca a velha Carola? Será a chuva amarela? Se for, benfeito pra ela!
Sylvia Orthof (1932-1997)