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domingo, 23 de outubro de 2022

‘Travessia’ coloca em discussão a nossa responsabilidade nas redes sociais. Novela de Gloria Perez retrata o impacto destrutivo de campanhas de difamação por meio de deepfake

Uma das cenas mais esperadas de Travessia, a nova novela global, foi ao ar na segunda-feira. Nela, Brisa, vivida pela atriz Lucy Alves, é perseguida pelas ruas do centro de São Luís (MA) por dezenas de pessoas enfurecidas. A multidão revoltada pensa que a protagonista é uma sequestradora de crianças cuja foto viralizou dias antes. De fato, a mulher na imagem tem o rosto de Brisa, mas se trata de uma montagem feita de forma irresponsável por dois adolescentes que, entediados, brincavam de manipular fotos num aplicativo.

Na trama de Gloria Perez, Brisa, uma jovem mãe que trabalha como lavadeira, consegue se esconder do bando sedento por vingança, mas a foto falsa criada pelos jovens vai mudar totalmente a sua vida. Este não foi o destino de Fabiane Maria de Jesus, mãe e dona de casa, moradora do Guarujá, cidade litorânea do estado de São Paulo. Ela foi xingada, cercada, arrastada e espancada até a morte por moradores do bairro de Morrinhos. O motivo: Fabiane se parecia com uma suposta raptora de crianças cujo retrato havia sido divulgado numa página de Facebook com dezenas de milhares de seguidores. 

Em ambas as histórias, boatos de internet provocaram o medo e a ira de pessoas. Mas a principal diferença entre as duas narrativas é uma só: Fabiane não era personagem de novela. Ela foi assassinada em maio de 2014, aos 33 anos, tornando-se um dos primeiro casos do Brasil em que uma mentira disseminada pelas redes sociais motivou um homicídio.

Casos de pessoas agredidas ou mortas por conta de campanhas irresponsáveis de difamação e desinformação têm se tornado cada vez mais comuns mundo afora. Em junho deste ano, no México, um homem foi assassinado após boatos no WhatsApp e nas mídias sociais afirmarem que forasteiros estavam sequestrando crianças para traficarem seus órgãos. Daniel Picazo González tinha 31 anos.

Na ficção e na realidade, não houve disparos de mensagens em massa nem uma grande conspiração para acusar e vitimar os alvos. Houve apenas a irresponsabilidade das pessoas que criaram, postaram e disseminaram imagens sem checar a procedência e sem pensar sobre os efeitos disso. Em uma simples brincadeira ou na intenção de alertar uma comunidade, o resultado foi pânico e violência causados por meio de cliques, curtidas e compartilhamentos. 

No caso específico de Travessia, a narrativa traz uma reflexão importante sobre o poder das deepfakes, mídias sintéticas que utilizam inteligência artificial na manipulação de fotos, áudios e vídeos. Cada vez mais comuns, essas montagens são extremamente convincentes e têm potencial de destruir reputações quando usadas com intenção maléfica, como em campanhas políticas ou em pornografia de vingança.

Mas, como a realidade tragicamente tem nos mostrado, não são apenas as deepfakes que podem arruinar vidas. Em tempos em que os fatos não bastam, já que parecemos estar mais comprometidos com nossas visões de mundo do que com a realidade, o compromisso com um engajamento ético nas plataformas digitais deveria ser ainda maior.

Para isso, é necessário compreendermos o básico da nossa atuação no ambiente digital: ao interagirmos com um post, estamos reforçando a sua mensagem e fazendo com que esta chegue até mais gente, de dentro e de fora do nosso círculo. Parece óbvio, mas na pressa de avisarmos quem nos importa sobre algo aparentemente importante e urgente, não checamos fontes. E, ao repassarmos sem atestar a credibilidade de uma foto ou de um texto, perdemos o controle do seu conteúdo.

Como a novela de Gloria Perez mostra de forma didática, ainda nos falta a consciência do nosso papel como cidadãos conectados e como consumidores e produtores de conteúdo, e também do impacto que nossas palavras e ações têm fora das timelines. Não se trata de ficção, mas da nossa vida e da vida das pessoas que conhecemos e daquelas que jamais vamos conhecer.

FONTE: EducaMídia