Como Pessoas Boas se Transformam em Monstros: Reflexões para a Educação
O comportamento humano é moldado por uma interação complexa entre características individuais e circunstâncias externas, algo que também se manifesta no ambiente escolar. Em contextos de poder, como nas relações entre professores e alunos ou entre gestores e equipes pedagógicas, mesmo indivíduos comprometidos com valores éticos podem ser influenciados por condições adversas, levando a práticas que perpetuam a desumanização e a desigualdade. Essa transformação, denominada “Efeito Lúcifer” por Philip Zimbardo, tem implicações profundas para o campo educacional, onde o exercício do poder deve ser continuamente analisado e ressignificado (ZIMBARDO, 2007).
No Experimento de Stanford, conduzido em 1971, Zimbardo recrutou 24 estudantes e os dividiu aleatoriamente em dois grupos: guardas e prisioneiros. Em pouco tempo, comportamentos autoritários e submissos emergiram, evidenciando como as dinâmicas de poder podem desumanizar tanto aqueles que comandam quanto os que obedecem. O experimento, planejado para durar duas semanas, foi encerrado após seis dias devido à gravidade das interações observadas (ZIMBARDO, 1971; MASLACH, 1971). Essa experiência ilustra o quanto o contexto e as normas instituídas podem afetar negativamente as relações humanas.
Na educação, é essencial reconhecer como sistemas e estruturas podem fomentar situações similares, mesmo que em escala menos dramática. A desumanização pode ocorrer, por exemplo, quando tratamos os alunos como números em avaliações ou quando gestores desconsideram a individualidade das equipes. Em paralelo, a desindividualização pode se manifestar quando profissionais da educação se tornam passivos diante de práticas institucionais que desrespeitam a ética ou desvalorizam o papel pedagógico.
Lord Acton já advertia: “O poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente” (ACTON, 1887). Esse alerta, no contexto escolar, aponta para a necessidade de líderes educacionais cultivarem a escuta ativa, a empatia e a co-construção de decisões, evitando práticas autoritárias que desestimulam a criatividade e a participação. Como Nietzsche afirmou, “quem luta com monstros deve cuidar para que não se torne um” (NIETZSCHE, 1886). Na escola, isso significa que educadores devem resistir à tentação de reproduzir estruturas opressoras e buscar criar ambientes de acolhimento e aprendizagem significativa.
Zimbardo argumenta que o conhecimento é o primeiro passo para resistir às forças que levam à desumanização. Ele defende a prática do "heroísmo cotidiano", caracterizada por pequenos atos de coragem e humanidade no enfrentamento de injustiças (ZIMBARDO, 2011). Na escola, isso se traduz na valorização do aluno como sujeito de direitos e na criação de espaços que promovam a colaboração e o diálogo.
Hannah Arendt, ao discutir a banalidade do mal, alerta para o perigo das escolhas aparentemente insignificantes que, somadas, perpetuam sistemas opressores (ARENDT, 1963). Na educação, isso reforça a responsabilidade de cada agente escolar em refletir sobre suas práticas e decisões diárias, construindo relações pedagógicas baseadas no respeito e na igualdade.
O Efeito Lúcifer, ao revelar a vulnerabilidade humana, oferece uma oportunidade única para repensarmos a educação. Ele nos lembra que, enquanto as circunstâncias podem moldar o comportamento, a capacidade de escolha e resistência é uma característica intrínseca à humanidade. Educadores, como formadores de cidadãos, devem promover a reflexão crítica e a prática ética, construindo ambientes de ensino que priorizem o respeito mútuo e a valorização do outro.
Referências
- ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: Um Relato sobre a Banalidade do Mal. São Paulo: Companhia das Letras, 1963.
- NIETZSCHE, Friedrich. Além do Bem e do Mal. São Paulo: Penguin-Companhia, 1886.
- ZIMBARDO, Philip. The Lucifer Effect: Understanding How Good People Turn Evil. New York: Random House, 2007.
- ZIMBARDO, Philip. Heroic Imagination Project. Disponível em: https://heroicimagination.org. Acesso em: 24 dez. 2024.
- MASLACH, Christina. Observação pessoal no Experimento de Stanford. In: The Lucifer Effect, 1971.
- ACTON, John Dalberg. Carta a Mandell Creighton, 1887.
- A PSIQUE. Como pessoas boas se transformam em monstros. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=oBIiVY34MZI. Acesso em: 24 dez. 2024.
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