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segunda-feira, 27 de abril de 2020

O lado B dos testes rápidos - O Globo - 27 Abril de 2020 - A HORA DA CIÊNCIA - Natalia Pasternak


Microbiologista, presidente do Instituto Questão de Ciência, pesquisadora do ICB-USP e autora do livro "Ciência no Cotidiano"

O novo sonho de consumo dos brasileiros parece ser um teste IgG positivo para Covid-19. IgG é o anticorpo que os chamados “testes rápidos” identificam no sangue de pessoas que já tiveram o vírus. No entanto, esses testes — que deveriam ser chamados de “sorológicos” — não são recomendados pela Organização Mundial de Saúde, e seu uso indevido pode trazer graves consequências de saúde pública.

No Brasil, no entanto, vêm sendo usados, de modo impróprio, no diagnóstico da Covid-19. Aparecem à venda em farmácias e laboratórios, e até clubes de elite oferecemnos, por preços que vão até R$ 500. Em Brasília, mutirões destes testes foram organizados para diagnosticar e orientar pessoas. A iniciativa, ainda que louvável, é equivocada.

Há dois tipos de teste para Covid-19: o molecular e o sorológico. O molecular, conhecido como PCR em tempo real, verifica a presença do RNA do vírus. É bastante preciso, identifica o vírus mesmo em pacientes assintomáticos.

Com ele, Alemanha e Coreia do Sul conseguiram mapear a pandemia. É simples: sabendo quem está infectado, podemos isolar a pessoa, rastrear seus contatos e, assim, traçar um panorama da transmissão.

Mas para isso, é necessário testar muita gente. A amostra precisa ser colhida por um “swab” na garganta. O profissional de saúde deve ter equipamentos de segurança. O processamento pede laboratórios e profissionais especializados. Os insumos são importados.

Já os sorológicos só precisam de uma gota de sangue, e não requerem treinamento especial. São muito mais baratos e fáceis de fabricar. Tão fáceis, de fato, que já aparecem problemas de controle de qualidade.

Eles não servem para dizer se a pessoa está doente ou não. Anticorpos só dizem se já tivemos contato com o vírus, e se esse contato foi recente (se aparece o anticorpo IgM) ou se foi há mais tempo (anticorpo IgG).

Para piorar, esses testes têm até 80% de falsos negativos: ou seja, de cada cinco pessoas que têm anticorpos, só uma testará positivo.

Os mutirões em Brasília foram organizados assim: pessoas com sintomas de Covid-19 há mais do que uma semana fazem o teste sorológico. Se o resultado for positivo, a pessoa faz o teste molecular. Isso não tem lógica.

Um cenário: o paciente testa negativo para anticorpos. É liberado. Mas na verdade está com o vírus ativo. Só que ainda não tem anticorpos suficientes para o teste notar. Esse cidadão sente-se seguro ao “saber” que não tem Covid-19, para de usar máscara e vai visitar os pais idosos.

Outro cenário: a pessoa testa positivo no sorológico, e então faz o molecular, que dá negativo. Essa pessoa provavelmente já teve contato com o vírus, produziu anticorpos e se recuperou. Gastamos um teste molecular, caro e escasso, à toa.

Testes sorológicos rápidos só têm uma função: após o pico da pandemia, saber quem desenvolveu imunidade e, talvez (se tivermos motivo para acreditar que a imunidade se mantém a longo prazo), liberar essas pessoas da quarentena. No momento atual, não passam de distração e desperdício.

Eles não servem para dizer se a pessoa está doente ou não. Anticorpos só dizem se já tivemos contato com o vírus.



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