A maioria das pessoas que
não trabalha com biologia tem uma visão bastante simplificadade como funciona a
resposta imune do corpo humano, da qual os anticorpos fazem parte. No cenário
atual, essa compreensão parcial pode gerar tanto preocupação excessiva quanto
esperança falsa. Então, vamos olhar a questão mais de perto. Quando o corpo é
invadido por um vírus, temos três tipos de resposta: inata, adaptativa celular
e adaptativa de anticorpos.
A resposta inata é a
primeira. São células mais genéricas, que vão tentar eliminar o corpo
estranho, meio que de qualquer jeito. A resposta adaptativa é mais específica, e
pode ser celular ou de anticorpos. Os anticorpos, quando tudo corre bem,
neutralizam o vírus, além de soar um alerta. Mas, quando o vírus já está dentro
da célula, os anticorpos não o percebem. Dentro da célula, os vírus fabricam
cópias de si mesmos.
Com a resposta imune
celular, a célula contaminada avisa o resto do organismo do problema: denuncia
a si mesma, e é eliminada.
Anticorpos são moléculas
que se ligam a proteínas que o vírus exibe em seu invólucro. Chamamos de
neutralizantes aqueles que, ao fazer isso, dificultam ou impedem a reprodução
viral. Mas nem todos são assim: pode haver anticorpos não neutralizantes, que
se encaixam no vírus, mas não conseguem detê-lo (e, às vezes, até o ajudam).
No caso do Sars-CoV-2, ainda não temos uma ideia clara da ação dos anticorpos. Recentemente, um
estudo na revista “Nature Medicine” indicou que 100% dos pacientes avaliados
produziram anticorpos contra a Covid-19. Muita gente comemorou o resultado, e
interpretou isso como sinal de imunidade. É até bastante provável —e desejável
—que seja isso mesmo. Mas o fato é que ainda não sabemos se todos esses
anticorpos serão úteis, e quanto tempo duram.
Levando em conta que o
Sars-CoV-2 é bem parecido com o vírus da Sars de 2002, podemos esperar que,
contra ele, também produziremos um anticorpo neutralizante que impede que o
vírus entre na célula. O anticorpo também chama células do sistema imune que
vão ajudar no combate.
Em geral, exames de
sangue medem dois tipos de anticorpo, IgM e IgG. Estudos em Sars relacionaram
produção precoce de anticorpos à severidade da doença. Ter anticorpos não
basta. Precisamos saber se são protetores, e quanto tempo duram. Também
precisamos descobrir a relação entre tipos e quantidades, e como se relacionam
à gravidade da doença: é possível que anticorpos em excesso, ou na hora errada,
piorem o quadro. Tendo essa compreensão, poderemos desenvolver anticorpos
monoclonais, que serão neutralizantes e clones, ou seja, todos iguais. Há grupos
trabalhando nessa estratégia.
Também sempre testamos se
os anticorpos gerados na vacinação são neutralizantes. Às vezes, não são. Uma
vacina para Sars falhou em produzir anticorpos neutralizantes em animais
idosos.
O sistema imune humano é
feito de erros e acidentes selecionados pela natureza. No geral, anticorpos
salvam vidas, mas nem sempre: não são “projetados” para isso ou aquilo. A cada
nova doença, precisamos da ciência para entender o que, exatamente, andam
aprontando.
O sistema imune humano é
feito de erros e acidentes selecionados pela natureza. No geral, anticorpos
salvam vidas, mas nem sempre.
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