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quinta-feira, 23 de abril de 2020

SEM MERENDA NEM ASSISTÊNCIA NA REDE PÚBLICA, ENSINO REMOTO DESAMPARA FAMÍLIAS

O novo coronavírus levou à suspensão das aulas presenciais em todo o Brasil. Para os 38,7 milhões de estudantes da rede pública, o acesso remoto traz lacunas relevantes: não há lanches do refeitório, assistência aos estudantes com deficiência, nem aulas preparatórias para o vestibular. A função social da escola ficou evidente em tempos de pandemia, e o isolamento social criou um vácuo que o poder público não conseguiu ocupar em tempo hábil.
—Num país tão desigual, o acesso ao colégio tem a ver com o acesso à alimentação, a materiais escolares, a políticas sociais que muitos alunos e alunas acessam por meio da escola —explica Denise Carreira, doutora em Educação pela USP. —A escola pública, sobretudo,é o espaço da diversidade, de apoio para todas as diferenças.
No início de abril, a Justiça paulista determinou que o governo estadual e a prefeitura da capital forneçam o custeio da merenda para todos os alunos, e não apenas dos integrantes de programas sociais, como foi feito no Rio e no Distrito Federal. Já o governo federal sancionou uma lei que prevê a distribuição de merenda às famílias dos estudantes da rede pública. Profissionais de educação e pais ouvidos pelo GLOBO, porém, apontam que as ações não atingem todos os alunos necessitados e, em um momento de queda de renda das famílias, seus valores são insuficientes.
Já os alunos que se preparam para o vestibular também perderam o apoio presencial de professores. Em três estados, não há nenhuma forma de ensino à distância, e só em 16 há videoaulas. Mesmo nesses locais, alunos perderam semanas aguardando até que as escolas se organizassem.
Além disso, o ensino remoto tem limitações: escolas não contam com canais de comunicação eficientes para tirar dúvidas, dizem estudantes, e o conteúdo lecionado diminuiu. Muitos estados optaram por transmitir aulas pela TV, deixando de lado as necessidades de cada sala.
A educação à distância é um recurso, mas ela não substitui a educação presencial. A sociedade e a família estão vendo a importância de que a educação presencial exista e seja fortalecida —diz Denise.

A FALTA QUE A ESCOLA FAZ
Maria Antônia Silva, 38 anos, vive com os quatro filhos, dois sobrinhos e a nora em um imóvel alugado por R$450 na cidade de Samambaia, no Distrito Federal. As três crianças mais novas, Natan ,12 anos, Christian, 10 anos, e Braian, 4 anos, faziam todas as refeições na escola. Com as aulas dos filhos e as faxinas que Maria Antônia fazia suspensas, a segurança alimentar da família ficou em risco.
—O dinheiro vai todo no aluguel. Eu fiquei desesperada, sozinha. Quando vou procurar algo para eles comerem, não tem. Já teve vezes que chorei — conta Maria Antônia.
Aluna do quinto ano do ensino fundamental de uma escola pública de Ceilândia, no Distrito Federal, Vitória Gomes, 13 anos, brinca com a mãe que a ultrapassou nos estudos.

Solange Gomes, 48 anos, só avançou até o quarto ano. O feito já seria considerado significativo de qualquer forma, mas, para a mãe, ganhou ainda mais importância pelo fato de Vitória ter transtorno do espectro autista.
Desde que suas aulas foram suspensas, a menina passa as tardes na internet. Segundo a mãe, essa é a única maneira de distraí-la desde que a rotina escolar foi quebrada. Cozinheira, Solange está sem trabalhar há quase um mês e teme que a falta de dinheiro para as contas (incluindo o boleto da internet) prejudique o pouco conforto que tenta oferecer para a filha.
Dados do Censo Escolar mostram que em 2019 o Brasil tinha cerca de 1,3 milhão de alunos com deficiência ou transtornos globais matriculados nas escolas públicas e privadas do país.
Taíse Oliveira, 38 anos, é uma das professoras de Vitória e, embora pondere que a suspensão de aulas é fundamental agora, afirma que os prejuízos podem ser grandes para os estudantes, já que as escolas não pensaram em alternativas para esses estudantes.
— Às vezes os pais não têm condições de auxiliar pedagogicamente a criança em casa. Na escola o ensino é direcionado para essas crianças —diz Taíse.
O estudante da rede pública Emerson Ferreira, 16, ficou sem aula 15 dias, desde meados de março. Ele mora no Cruzeiro, bairro de classe média perto de Brasília (DF).
Emerson está no terceiro ano e quer cursar engenharia mecatrônica na faculdade. As videoaulas vieram em abril, mas são insuficientes, diz ele:
— Pra quem está prestando Enem, como eu, é bem complicado. Videoaula é no máximo uma hora. Estou fazendo muita tarefa física mesmo, porque tenho apostila.
Ele se queixa de que a escola não criou um canal para tirar dúvidas direto com os professores (“tenho que ficar conversando com colegas”, diz).
A mãe de Wesley, Raquel da Silva, tem duas filhas mais novas e já sente no bolso ausência da merenda oferecida na escola para as duas. Mas o maior prejudicado, na opinião dela, é Wesley.
— O semestre praticamente foi embora —lamenta o adolescente.

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