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sábado, 11 de julho de 2020

O mito de Sísifo, a Escola e o trabalho remoto.



Sísifo era provavelmente o homem mais esperto do seu tempo. Sim, era o mais esperto, mas não era o mais  sábio. Era descendentes do Titã Prometeu e como seu ancestral ele ousou a se envolver em assuntos que só dizia respeito a Zeus.  Certo dia Sísifo viu a bela e  jovem Égina ser sequestrada pela Águia de Zeus e  percebeu que podia tirar vantagem dessa situação. Sísifo era Rei fundador da cidade de Corinto, contudo seu reino era escasso em água doce. Égina era filho de Asopo, um deus rio,  que se encontrava muito triste, com o desaparecimento de sua filha. Sísifo vai até Asopo e diz,
_Sei do paradeiro de sua filha mas essa informação tem um custo. Quero em troca que o Senhor cria um nascente de água para abastecer meu reino.
Asopo aceita o acordo, e parte em busca de sua filha. Zeus fica extremamente furioso com a delação de Sísifo e ordena que Thánatos, também conhecido como a morte, encontre Sísifo e ceife sua vida. Sísifo é surpreendido por Thátanos em seu palácio, mas de sua mente rápida e ardilosa  uma ideia lhe surge a cabeça. Ele se dirige a morte e diz:
_ Então parece que chegou a minha hora, não esperava morrer tão jovem, mas confesso que fiquei surpreendido com vosso esplendor. És de fato uma divindade magnifica. E saiba que dos vários deuses que já conheci poucos tem um porte tão distinto e elegante. Antes de partir gostaria de presenteá-lo com alguns adornos que tornará sua presença ainda mais magnifica, pois para mim as jóias não terão mais serventia, uma vez que estou indo habitar o submundo dos mortos.

Thátanos ficou lisonjeada com tantos elogios e decidiu aceitar os presentes. Sísifo lhe colocou um par de pulseiras e um colar, mas aquilo, na verdade  eram grilhões e uma coleira. O Rei  de Corinto havia feito o que até então parecia impossível. Ele conseguiu enganar a morte e fez de Thánatos sua prisioneira. O tempo passou e ninguém mais morria. O reino de Ades não recebia novos súditos. As guerras promovidas por Ades não lhe dava mais prazer, pois ninguém morria. Os deuses decidem que algo tem que ser feito. Ades vai a Corinto e liberta Thánatos. Que  parte a procura do Rei para concluir sua missão que era matar Sísifo.  Mas Sísifo já suspeitava que algo assim fosse acontecer e orientou sua esposa para se caso ele morresse de forma prematura não prestasse os serviços fúnebres devidos a um Rei. Após sua morte, ao chegar no reino de Ades, ele se vê frente a frente  com o deus do submundo que parecia muito descontente.  depois de receber uma grande censura por parte do deus, Sísifo pronuncia um discurso que já havia arquitetado antes de morrer:
_Nobre senhor  do submundo, sei que agi mal contra o senhor e que lhe causei prejuízos, mas esta não era minha intenção. Se soubesse que causaria algum dano ao grandioso deus do submundo jamais procederia de tal forma.  Apesar de estar em débito com o senhor tenho uma súplica a lhe fazer. Minha odiosa esposa se recusou a prestar os devidos ritos funerários a um rei que era tão querido por seu povo. A maldita me descartou como se fosse um cadáver de um cão e por isso lhe suplico para que me deixe retornar ao mundo dos vivos, por apenas um dia, para que assim  eu possa me vingar de minha esposa e organizar um funeral digno para mim e que honre o reino dos mortos.
_Você tem a minha permissão para permanecer apenas um dia no mundo dos vivos, mas na noite deste mesmo dia, você deverá retornar aos meus domínios.
_O senhor tem minha palavra de honra.
Assim Sísifo retornou a Corinto. Lá ele reencontrou sua esposa e com ela fugiu e assim, ele enganou a morte mais uma vez. Escondido Sísifo viveu até a mais tardia velhice, até seu inevitável fim. Mas agora sua esperteza não poderia mais ajudá-lo. E ao retornar ao submundo da morte,  Ades,  o jogou num tártaro e lá ele foi castigado a rolar uma enorme pedra até o alto  de uma montanha, mas sempre que chegava perto do cume, a pedra ficava muito pesada e rolava de volta até o ponto de partida. E assim Sísifo reiniciava seu trabalho novamente, novamente e novamente por toda a eternidade.
  
Será que o ensino é essa pedra grande que empurramos todos os dias de forma repetitiva e inútil?
Será a docência precisa ser um trabalho Sísifiano? A exemplo do mito grego, será que não estamos enxugando gelo, chovendo no molhado, como diz os adágios populares? 
Esta lenda está marcada para sempre pela imagem do condenado a arrastar esta imensa rocha morro acima, que sempre despenca, impulsionado pela gravidade,  tão logo ela chega ao topo. 
Certo é que neste momento de pandemia, em várias situações chegamos a nos sentimos como Sísifo.  Se presencialmente já era difícil para fazer com que alguns estudantes realizassem suas tarefas, ainda mais difícil é de forma remota. Engajar na direção de sua própria aprendizagem é o nosso grande desafio. Muitos momentos bate a desesperança e a frustração por não conseguirmos alcançar o coração de um adolescente. Podemos enumerar os empecilhos encontrados na escalada da montanha:  baixo acesso a internet, celulares sem estrutura, estudantes sem um espaço em casa para estudar, problemas familiares e a própria desigualdade social do nosso país potencializando criando obstáculos na rolagem da pedra. 
Há momentos de muita energia e de impulsionamento pela subida  em que conseguimos colocar a pedra  no ponto mais alto da montanha. 
No frio sempre encontramos uma fogueira inteligente a nos aquecer e iluminar a consciência de que pouco podemos enquanto professores, diante de estruturas tão consolidadas. A luz dessa fogueira levanta o ponto de que nossa força é pedagógica e de ensino.  Quando vemos nossos alunos nas telas dos computadores e dos celulares nos animamos e percebemos as possibilidades de trabalho, acontece o encontrar de  caminhos e a busca por uma prática de ensino mais efetiva, pautada no engajamento do  próprio  estudante na sua  aprendizagem. Tudo isso nos fortalece e ajuda a firmar a crença no trabalho que fazemos, ajuda-nos a ver a relevância do que fazemos e da imensa importância social do ato educativo. A esperança se acende com chamas consistentes  e retomamos novamente a rolar a pedra ao longo da montanha.  
Estamos aprendendo muito nestes tempos de ensino remoto,  atuando e fazendo para além do que está ao nosso alcance. 

A dúvida que fica é: se a gente é capaz de ter ideias e práticas  ainda mais brilhantes para trazer nossos estudantes para uma plataforma de ensino, para fazê-los engajar na resolução das atividades que organizamos e assim podermos libertar o nosso eu-Sísifo dessa condenação de rolar a pedra penso que podermos ajudar os nossos alunos a superar as montanhas da vida...        Deodato Gomes

Francini, A.S, Seganfredo, C.  As 100 melhores histórias da mitologia: deuses, heróis, monstros e guerras da tradição greco romana. 9ª ed. Porto Alegre: L&PM, 2007


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