Bullying

quinta-feira, 23 de abril de 2020

Histórias e poemas pelo telefone ajudam milhares a driblar a solidão


Histórias e poemas pelo telefone ajudam milhares a driblar a solidão

Projeto da Secretaria estadual de Cultura atraiu 1.062 voluntários e cerca de 2.600 pessoas já se inscreveram para receber ligações


Um número desconhecido liga. Quem atende logo pensa “ou é marketing ou é cobrança”, mas se engana: do outro lado da linha está um contador de histórias. Para quebrar a dureza dos dias de isolamento social, uma turma de cariocas telefona para pessoas de todas as idades e oferece, através da voz, delicadeza e companhia em forma de contos e poemas.
Aos 31 anos, a funcionária pública Tamires Halak saiu de uma UTI diretamente para o isolamento social. Internada por causa de uma miocardite, ela passou uma semana num hospital e voltou para casa justamente no primeiro dia de quarentena. Proibida de fazer qualquer esforço físico por recomendações médicas, a servidora diz que viu na oportunidade de contar histórias por telefone uma forma de se distrair e amenizar a solidão.
—Ainda estou me recuperando do coração e meu marido é diabético, ou seja, do grupo de risco para a Covid-19. É um contexto muito estressante. Poder fazer essas ligações tem sido uma experiência riquíssima. Tento ler coisas mais positivas, que passem uma mensagem de ânimo —conta Tamires, que mora em Inhaúma e faz, em média, quatro ligações diárias.
Tamires está entre os 1.062 voluntários do projeto “Histórias por telefone”, criado pela Secretaria estadual de Cultura e Economia Criativa. A iniciativa já alcançou cerca de 2.600 ouvintes desde que foi lançada, há um mês. A ideia era atender a população idosa, mas o sucesso do programa foi além: a ouvinte e a voluntária mais jovens têm, respectivamente, apenas 3 e 11 anos de idade. As divisas do Rio tampouco foram suficientes: moradores de 16 estados e de quatro outros países já se inscreveram para participar.
Escritora desde a adolescência, com dois livros publicados, Cristina Ávila, de 45 anos, é uma das voluntárias que recitam poesias para ouvintes. Moradora do Anil, ela apresentou versos de sua autoria e de amigos nas quase 20 ligações que fez até ontem.
—Um dia, conversei com um rapaz da Itália que se cadastrou no projeto. Lá, todo mundo está recluso, com medo. É uma troca: quando você liga, parece que a pessoa está pertinho de você. É bom para as duas partes, ainda mais para quem mora só, como eu. Certa vez, eu estava me sentindo muito sozinha, e a pessoa que ouviu minha poesia foi tão simpática que me senti abraçada — conta Cristina.
Do outro lado, quem ouve as prosas e versos também não esconde a emoção. Apesar de não ter o hábito de ler poesia, Luisa Batista, de 51 anos, se inscreveu para receber telefonemas, mas acabou se esquecendo do projeto. O susto inicial ao receber a primeira ligação deu lugar às lágrimas diante da força de um texto de Marina Colasanti.
—Num mundo em que tudo é pago, eu até pensei “será que essa menina vai cobrar alguma coisa?”. Ela leu um poema que diz assim: “A gente se acostuma para poupar a vida que, aos poucos, se gasta.” Isso me remeteu muito à situação que o mundo está vivendo agora. De repente, a gente teve que parar tudo, dar mais importância às coisas. Foi uma experiência muito diferente para mim —afirma Luisa, moradora de Duque de Caxias.
Fã de Cora Coralina, a pedagoga Daniele Favacho, de 41 anos, viveu uma feliz coincidência: em uma das ligações que recebeu, ouviu um poema da autora.
—Sempre gostei de poesia, mas, depois que tive meu filho, o tempo ficou reduzido. Foi muito gratificante ouvir a Cora —diz Daniele, moradora de Anchieta.
‘UM AFAGO, UM CARINHO’
Íntima dos telefonemas, a operadora de call center Jeane Mendes, de São Gonçalo, também foi picada pelo bichinho da contação de histórias. Ela aprendeu a arte numa oficina que fez há cinco anos, e a retomou na quarentena. Agora, tem um grupo no WhatsApp no qual compartilha e seleciona textos para dividir com mais pessoas.
—Tem gente triste e deprimida em casa precisando de um afago, de um carinho. É o mínimo que eu, como ser humano, posso fazer —afirma Jeane.
Idealizador do “Histórias por telefone” o superintendente de leitura da secretaria estadual de Cultura, Pedro Gerolimich, também se voluntariou para o projeto. Quase sempre, lê o mesmo texto de Sarah Westphal, impresso em um quadro na parede de sua sala:
—Tem um trecho que diz “não deixe que a saudade o sufoque, que a rotina acomode, que o medo te impeça de tentar.” São palavras que vêm a calhar neste momento —diz Gerolimich.
Para se inscrever no projeto como voluntário basta acessar o site do programa pelo link bit.ly/2VtlVU5; e o cadastro para ouvintes está em bit.ly/3eKLrvF.

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