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terça-feira, 24 de janeiro de 2023

É IMPOSSÍVEL TER UM SONO SAUDÁVEL COM AULAS ÀS 7H’

É IMPOSSÍVEL TER UM SONO SAUDÁVEL COM AULAS ÀS 7H’

Pesquisador defende que escolas brasileiras estudem horários mais flexíveis para permitir a adolescentes dormir o suficiente para a imunidade e a saúde cognitiva

O Globo24 Jan 2023BERNARDO YONESHIGUE bernardo.yoneshigue@oglobo.com.br

EDILSON DANTAS

Em julho do ano passado, entrou em vigor no estado da Califórnia, nos Estados Unidos, a primeira lei do país que obriga as escolas a começarem apenas a partir das 8h30 para os estudantes do Ensino Médio. A mudança foi embasada em um estudo que mostra como as mudanças biológicas da puberdade afetam o sono e, consequentemente, o desempenho escolar.


A adaptação dos horários escolares para adolescentes, especialmente em lugares como o Brasil, onde aulas podem começar até 7h, é uma discussão crescente no mundo, impulsionada pelo apelo de cientistas. Um dos nomes que fazem coro ao discurso é o do neurocientista brasileiro Fernando Louzada.


Doutor em Neurociências e Comportamento pela Universidade de São Paulo (USP), o pesquisador atualmente coordena o Laboratório de Cronobiologia Humana da Universidade Federal do Paraná (UFPR), de onde também é professor, e participa da Rede Nacional de Ciência para Educação (Rede CpE) e do Núcleo Ciência pela Infância (NCPI).

Em entrevista ao GLOBO, Louzada cita experiências nacionais que mostram os benefícios de se adiar em ao menos uma hora o começo das aulas, explica que adolescentes sofrem de uma tendência natural a atrasar o momento de dormir e esclarece que a faixa etária demanda mais horas de sono, que não são alcançadas com o modelo de ensino atual.

Quanto de sono os adolescentes precisam e de que forma o horário das aulas no Ensino Médio brasileiro interferem nessa dinâmica?

Os adolescentes precisam de mais sono do que os adultos, em média de nove horas. Mas há um fenômeno nessa idade chamado de atraso de fase do sono, que é uma tendência natural e universal a atrasar os horários de dormir e, consequentemente, de acordar também. Por isso, verificamos que a maioria dos adolescentes, principalmente nos grandes centros urbanos, dormem bem menos que isso em dias letivos. A equação é simples. Se as aulas começam às 7h, e muitos precisam acordar às 6h, seria necessário dormir às 21h. Mas é muito difícil pensar em adolescentes, com a tendência ao atraso do sono, dormindo nesse horário. Por isso, não há como, com aulas às 7h, preservar o sono necessário dos adolescentes, o que levou muitos países a implementarem um horário mais tarde, e temos discutido muito isso aqui no Brasil.

Como saber que o atraso de fase do sono é algo inerente ao adolescente, e não resultado de hábitos como excesso de telas?

Essa dúvida é recorrente: se o fenômeno é biológico, ou seja, mais incorporado à espécie humana, ou se é cultural, influenciado pelos hábitos e pela cultura. Temos estudado isso de diversas maneiras. Uma delas foi analisando comunidades rurais, sem acesso a energia elétrica, no Brasil e em outros países, e observamos que essa tendência é universal, presente em todos os adolescentes avaliados. Mas é claro que o ambiente urbano, o acesso às tecnologias, televisão, videogame, computador, tudo isso exacerba o atraso, porque só o estímulo luminoso sozinho já é capaz de aumentar a tendência a adiar o sono.

E por que conseguir um sono adequado é tão importante, especialmente nessa fase?

O sono é muito importante em vários aspectos, como manter a integridade do sistema imunológico, atuar no controle do metabolismo energético, preservar a cognição e o funcionamento cerebral. Ficar muito tempo privado de sono favorece o ganho de peso, o desenvolvimento de doenças metabólicas, como diabetes tipo 2, e de problemas cardiovasculares e neurodegenerativos. Ainda mexe muito com a regulação emocional. Quando não dormimos, ficamos com maior impulsividade e irritabilidade, menor resiliência para enfrentar dificuldades. E se pensarmos que a adolescência já é uma faixa etária muito exposta a transtornos psiquiátricos, essa preocupação com sono deve ser ainda maior, pois o cérebro está em formação. E o que temos de mais recente é o papel do sono para a consolidação das nossas experiências depois do aprendizado. Ao dormir, o cérebro permanece ativo e essa atividade está a serviço dessa formação de memórias, o que impacta diretamente no desempenho escolar.

Você explica que o horário das aulas às 7h reduz o sono dos jovens, mas se as aulas começassem mais tarde, eles não adiariam o sono?

Existe toda essa discussão, mas diversos estudos já mostraram que não é bem assim. Mesmo que o adolescente atrase um pouquinho o horário de dormir, não supera o ganho do horário de acordar, o saldo é, na maioria das vezes, positivo. Mas claro que essa medida não pode ocorrer de forma isolada, precisa vir junto com medidas de educação sobre o sono.

No ano passado, você fez parte de um estudo da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), que avaliou o horário alterado. Quais foram os resultados?

Esse estudo avaliou os alunos antes, durante e depois de uma alteração no horário. Foi o primeiro trabalho de intervenção do horário realizado no Brasil. Os resultados confirmaram um benefício na duração do sono e, consequentemente, dos impactos em medidas de sonolência diurna e de humor. Em uma escola de Palotina, no Paraná, definimos o atraso de uma hora no início das aulas durante uma semana, começando às 8h30. Durante três semanas, acompanhamos os 48 estudantes com um relógio que monitorava os horários de dormir e acordar. Avaliamos medidas como a sonolência em sala de aula, o humor dos estudantes, com fatores como estresse e sintomas de depressão. A mudança de horário levou a um aumento na duração de, em média, 38 minutos no sono e na redução da sonolência nas aulas e das queixas de humor.

Qual a dificuldade de levantar esse debate no Brasil? E qual seria a melhor solução?

Muitos dos procedimentos das escolas são cristalizados, consolidados há décadas, por isso é muito difícil mudarmos. Tanto que coisas foram alteradas na pandemia e, quando voltaram as aulas presenciais, nada foi aproveitado. Esse período mostrou como os adolescentes dormem mais se puderem. Nós fizemos um estudo que mostrou isso, como com as aulas online e a flexibilidade com elas levou os estudantes a acordarem mais tarde e terem mais horas de sono. Não defendemos uma medida imediata obrigando as escolas a começarem às 8h30. Antes, precisamos de conscientização, convencer gestores, familiares e os próprios estudantes sobre a importância do sono e dos benefícios de eventuais mudanças. É um processo. Mas quando as pessoas estão sensibilizadas sobre o tema, fica mais fácil discutirmos essas medidas. Particularmente, acho que a flexibilidade de horários é o melhor. Possivelmente ter escolas em que turmas diferentes começam em horários diferentes, que usem a tecnologia como aliada.

Para compensar a falta de sono à noite, muitos alunos têm o hábito de cochilar à tarde. Essa prática é positiva?

Diria que pode ajudar a compensar a restrição do sono à noite. Mas há duas preocupações. A primeira é que as evidências mostram que cochilos longos, com mais de 90 minutos, começam a repercutir no sono noturno. A outra preocupação é o fenômeno chamado inércia do sono, que é a tendência de continuar dormindo mesmo após ter acordado. É quando você levanta, mas seu cérebro ainda não está pronto para a vigília. Algumas pessoas podem ter uma dificuldade maior em produzir, em estudar após o cochilo.

“Os adolescentes precisam de mais sono do que os adultos. Mas há um fenômeno nessa idade chamado de atraso de fase do sono, que é uma tendência de atrasar a hora de dormir”

“Ficar muito tempo privado de sono favorece o ganho de peso, o desenvolvimento de doenças metabólicas e de problemas cardiovasculares e neurodegenerativos”

“A adolescência já é uma faixa etária muito exposta a transtornos psiquiátricos, essa preocupação com sono deve ser ainda maior, pois o cérebro ainda está em formação”

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